Tomar a actual pílula anticoncepcional, a que prevê sete dias de descanso por mês, equivale já a dizer-se ao corpo que a menstruação não lhe é necessária.
Se se administram estrogénios e progesterona, o cérebro recebe uma informação que lhe indica que se já ovulou, por isso não segrega a hormona que estimularia o ovário.
Partindo desta premissa, a ciência não tem deixado de indagar sobre as possibilidades de suprimir a regra e com ela essas moléstias que impedem 75% das mulheres de se sentirem bem e render o máximo nos 28 dias do seu ciclo (segundo estudos da Bayer Schering Pharma AG).
Nos EUA já se comercializa uma pílula que deixa de se tomar só a cada três meses e em breve poderia estar disponível o tratamento que não prevê descansos se a agência norte americana do medicamento der autorização para a pílula Lybrel.
O fabricante, Wyeth, prevê a entrada de 250 milhões de dólares anuais e acha que quase dois terços das mulheres estariam dispostas a tomá-la. As mudanças que trariam estes novos fármacos foram objecto de debate em fóruns de mulheres e em jornadas feministas.
Minha senhora, o que a impede de desligar-se da sua natureza e controlar o seu ciclo, acabando com dores, inchaço e síndrome pré menstrual?
A Sociedade Espanhola de Contracepção apressou-se a augurar que essa pílula é uma "segunda revolução social", uma revolução similar à que nos anos 60 fez possível desvincular o sexo da procriação.
Mas as respostas a essa pergunta são múltiplas. Alguns peritos asseguram que tomá-la pode prevenir patologias como a endometriose e reduzir a percentagem de histerectomias (extirpação do útero). Asseguram que não implica mais riscos que o tratamento hormonal até agora conhecido.
"Se não se descansasse esses sete dias em cada ciclo, não apareceria nenhuma perda similar à regra, mas para dar sensação de normalidade, interrompemos a tomada cada 21 dias, tanto em pastilhas como em adesivos (que se mudam uma vez por semana durante três semanas) ou o anel vaginal, que se deixa posto 21 dias", explica o doutor Joaquim Calaf, responsável do serviço de obstetrícia e ginecologia de Sant Pau.
Calaf assegura que não há nenhum risco acrescido para a saúde na administração prolongada de hormonas em relação ao tratamento feito de maneira normal.
"Os estudos são sólidos e as combinações foram comercializadas nos Estados Unidos: já sabemos que ali as normas são muito restritivas", acrescenta. "Os únicos efeitos secundários são de comodidade"
A doutora Carme Valls i Llobet discorda. A endocrinologista e directora do programa Mulher, saúde e qualidade de vida, do Centre d´Anàlisi i Programes Sanitaris (CAPS), reconhece que metabolicamente é o mesmo descansar que não descansar, porque a regra que se produz a seguir a um tratamento hormonal não é uma regra normal, mas a perda de um pedaço de tecido endometrial.
"Mas, cuidado - adverte -, não só é afectado o útero, mas todo o corpo. Talvez dentro de dois mil anos seja possível introduzir mudanças em harmonia, mas não por enquanto".
Para muitas mulheres e profissionais de ginecologia, suprimir a menstruação suporia um progresso para as mulheres, uma vez superada a intranquilidade que pode produzir-lhes o facto de não sangrarem mensalmente e, portanto, corroborar o facto de que não se está grávida.
Valls considera que isto é assim, porque não se lhes explica claramente que para isso deverão seguir um tratamento hormonal durante anos nem se lhes fala das consequências que o tratamento prolongado poderia ter (cancro da mama, do endométrio, aumento de doenças auto-imunes, obesidade, colelitiasis, endocrinopatias...).
"O primeiro problema é que não se estudou a relação entre o uso do tratamento hormonal anticoncepcional e a qualidade de vida das pessoas. Usá-los muda a líbido e a harmonia do hipotálamo das mulheres. É um problema subtil, mas muitas indicam que têm alterações na apetência sexual. Além disso, aumenta aspectos hiperestrogénicos: por exemplo, pode aumentar a auto-imunidade e, portanto, as doenças da tiróide relacionadas, como a tiroiditis auto-imune. Também podem alterar os lípídos e o colesterol ou aumentar o risco de trombose".
Outro aspecto de discrepância é a rapidez com que a regra volta a estar presente. Segundo o doutor Calaf, aos 20 dias de deixar de tomar a pílula prolongada volta-se a ovular e aos 45 dias tem-se a regra.
Por outro lado, a doutora Valls constata casos nos quais as mulheres demoraram entre um e três anos para ficar grávidas.
Voltando aos efeitos indesejados do tratamento, o doutor Calaf lembra que o tratamento hormonal prolongado foi revisto: pelo menos dois grupos de pacientes, um de 456 e outro de 336, entre 18 e 45 anos, foram estudadas nos EUA durante um ano e depois com provas cíclicas.
"O importante para quem queira começar um tratamento hormonal é uma boa história clínica, analisando a hipertensão, o peso em excesso, a circulação deficitária, o metabolismo de hidratos de carbono... uma pessoa jovem sem antecedentes patológicos não necessitaria de muitas mais análises".
Calaf confirma que do ponto de vista do cancro do ovário ou endometriose, o uso do tratamento combinado é protector. "Mas, quanto ao cancro de cérvix, a tomada de anticoncepcionais parece que poderia favorecer minimamente a progressão do papiloma que o causa", acrescenta.
Porém, não passaram nem dois anos desde que a Agência Espanhola do Medicamento informou do risco dos anticoncepcionais com progestagéneos de terceira geração (gestodeno e desogestrol) nas mulheres com antecedentes de doença tromboembólica venosa, enfarte do miocárdio ou acidentes vasculares cerebrais.
Estudos da OMS, da farmacêutica Schering e da Universidade de Boston corroboraram que as utilizadoras dessas pílulas correm o dobro do risco de trombose. A Clínica Maio e a Universidade de Minnesota tinham já demonstrado que as mulheres que usaram anticoncepcionais orais nos EUA antes de 1975 apresentaram maior risco de cancro da mama.
A doutora Valls não duvida: "Quando a menstruação, graças à melhor nutrição e à possibilidade de planear a gravidez, é uma realidade mensal para milhões de mulheres, se transforma num indicador do estado de saúde desde a adolescência, já as situações de stress físico ou mental, as anemias, as deficiências nutricionais ou a perda de peso podem alterar o seu ritmo.
Se não funciona bem, significa que há uma alteração metabólica, endócrina, psicológica ou social (como o stress). Aboli-la não elimina os problemas, só se ocultam e podem aparecer outros. Dá-la a pessoas com problemas no seu ciclo menstrual falseia o problema. E se não há doenças ou problemas, porquê dá-la?".
O presidente da Sociedade Espanhola da Contracepção, Ezequiel Pérez Campos, destacava esta semana que ainda ficam mitos em torno da regra: "Serve para expulsar maus humores e toxinas" ou "é o grande símbolo da feminilidade".
Para Valls, não é possível chamar retrógrado a quem quer conservar a regra. "É conservador conservar a própria harmonia? É conservador não fazer uma mudança climática? É isso o que nos molesta ou uma regra abundante, porque tudo à nossa volta é estrogénio: os gases dos carros, os insecticidas, os alimentos com hormonas e as dioxinas do pescado? Não podem demonstrar-nos que não terá efeitos secundários, portanto os retrógrados são eles".
Maricel Chavarría