Acha que se entendem bem estes transtornos sem vivê-los muito de perto?
Custa, e essa é a razão pela qual não me canso de explicar em que consistem e qual é a melhor maneira de lhes fazer frente.
Médicos, psicólogos, educadores e jornalistas deveríamos todos chamar cada coisa pelo seu nome, potenciar os bons hábitos alimentares, favorecer a detecção precoce de anorexias e bulimias nervosas e dar tabelas ou códigos de tratamento.
No entanto, os familiares dos pacientes com transtornos do comportamento alimentar parecem pouco esperançados e não será porque não conheçam bem a doença...
Alguns pensam até que a anorexia não se cura, o que é completamente falso. É um transtorno difícil de curar. Inclusive no caso mais simples, o de uma detecção precoce no início da adolescência, podemos demorar quase três anos a curá-la, comprometendo às vezes os hábitos de convivência, amigos ou estudos. O esforço é rentável, mas o preço em esforço é muito importante.
Suponho que é preciso começar com o reconhecimento do problema por parte do paciente em relação às comidas.
Sem dúvida, mas o problema é que os pacientes anorécticos estão muito motivados com a sua anorexia, porque dão conta da capacidade da sua força de vontade para conseguir propósitos tão difíceis como emagrecer o corpo até limites insuspeitados... Vão insolentes neste sentido, mas pecam de um cálculo fatal no estabelecimento desses limites.
Condena as dietas de emagrecimento? Os cardiologistas e endocrinologistas podem protestar...
Quando uma pessoa tem peso a mais é bom que emagreça, mas até estas pessoas, quando partem de uma auto-estima muito baixa e de outros problemas que depois podemos comentar, correm o risco de transformar a dieta num talmud, satanizando os alimentos e preparando o terreno para o aparecimento de uma anorexia, e muitas anorexias começam com uma dieta de emagrecimento que fomenta a rejeição à comida.
Neste sentido, gostava de realçar a propaganda que o Ministério tem vindo a fazer na televisão sobre os pequenos almoços. A mensagem correcta não é deixar de comer ou culpar aos alimentos da obesidade, mas aprendermos todos a comer como Deus manda.
Mas depois procuramos roupa 'bonita' e não encontramos o tamanho.
Falou-se muito da relação do mundo da moda e das modelos com transtornos de conduta alimentar, como causa do caso da Pasarela Cibeles para se demarcar de toda a suspeita. No entanto, é a sociedade no seu conjunto que continua a elogiar a magreza e que, de forma consciente ou inconsciente, cria um patrão de beleza não muito saudável.
E o corpo humano tem as suas próprias leis e não sabe de cânones estéticos.
É certo que muitas presumíveis anorécticas tentam emagrecer até que o próprio organismo dispare sinais de alerta sem chegar a transgredir nestes casos o limite de um emagrecimento perigoso; mas quando o anoréctico ou anoréctica vê reforçada a sua férrea vontade de emagrecer com roupas que lhe ficam a matar, os comentários de admiração por parte de familiares ou amigos ou o exemplo de modelos, cantores ou actrizes que emagreceram também até esse extremo, a mente sobrepõe-se ao organismo que, cada vez mais debilitado, acaba imerso numa espiral muito difícil de corrigir.
Do lado oposto está a humilhação de quem tem um pouco mais de peso ou não possui a magreza adequada ao ambiente social, cunhando na mente o conceito que quanto mais se emagrece melhor partido social se tira.
Pomos o rótulo de anoréctica a toda menina magra?
Não basta ser magra. O transtorno caracteriza-se por outros sinais de comportamento como a rejeição explícita a manter o peso num nível objectivamente normal, comer lentamente, cortar os alimentos em pedaços pequenos, mastigar repetidamente antes de tragar o alimento, calcular as calorias presentes nos alimentos, falar muito de comidas, dietas e propriedades dos alimentos, exceder-se na prática do exercício físico com o firme propósito de não recuperar peso ou perder mais ainda, exibir um alto grau de perfeccionismo ou auto-exigência, procurar desculpas para não comer com os outros, condutas obsessivas pela ordem e limpeza, uso de tudo o que possa dissimular a magreza nos seus limites mais extremos (que impeçam ver braços ou pernas) e sintomas físicos como a queda do cabelo, problemas na menstruação, pele muito seca, sensação de frio, enjoos ou desmaios...
Que relação mantém a anorexia com condutas violentas, promiscuidade sexual, consumo de drogas, tabagismo ou alcoolismo?
Estas condutas de risco são mais habituais no paciente bulímico que no anoréctico. Este tem uma personalidade muito negativa, fechada; preferirá ler ou simplesmente estar só. É certo que o hábito dos anorécticos justificarem tudo, muitas vezes com mentiras, pode fazer pensar em condutas de risco diferentes da anorexia, e também é certo que o risco anoréctico é tanto ou mais difícil ainda de combater que os demais.
Conheço uma garota anoréctica. Protejo-a e apoio a sua conduta, faço de conta que não vejo ou condeno a sua malévola e distorcida cruzada?
Nenhuma das três coisas. É preciso ser respeitosamente sinceros e expor-lhe a preocupação pelo aspecto que está a tomar a sua obsessão, aconselhar uma consulta urgente com especialistas e expor que o tratamento é complicado mas, quando o inicia, é bastante eficaz. Não fazer nada ou proteger a magreza, violentá-la com sermões pouco empáticos, são parte do problema e não da solução. Além disso é importante prevenir, tentando inculcar umas tabelas alimentares normais e satisfatórias, minimizando os comentários sobre o corpo e a comida.
UM PROBLEMA SÓCIO-SANITARIO DE PRIMEIRA ORDEM
Os dados fazem perder o apetite: nos últimos dez anos o aumento do número de afectados pela anorexia não tem parado de aumentar. Na actualidade, a anorexia nervosa afecta aproximadamente uma em cada 200 jovens entre 12 e 14 anos e as mulheres jovens (entre 14 e 18 anos) são o maior número, homens, mulheres maduras, menores de 12 anos e até idosos começam a somar-se à lista das vítimas.
A anorexia nervosa continua a ser, no entanto, mais frequente na mulher que no homem e numa proporção de dez para um. Não se trata simplesmente de um mau hábito ou de uma conduta errada; a mortalidade por anorexia nervosa é de 10%.
JORDI MONTANER