Foi acusado de estelionato o jovem que enviou mensagens, em nome de bancos, com cavalos de tróia, para capturar informações dos utilizadores.
Como não temos tipificado este tipo de crime em Portugal, aqui deixamos umas notas da Dra Natália Assis Melo, Advogada em Recife-PE e Professora Substituta de Legislação e Ética do Turismo e da Hotelaria na UFPE.
1. conceito
O delito é assim definido por Edgard Magalhães Noronha: "... há estelionato quando o agente emprega meio fraudulento, induzindo ou mantendo alguém em erro e, assim, conseguindo, para si ou para outrem, vantagem ilícita, com dano patrimonial alheio" (Digesto Penal, São Paulo, Saraiva, 2º v., 1972, 7ª ed., p. 358). O crime de estelionato acha-se tipificado no art. 171 do CP, cujo caput conceitua o delito.
2. bem jurídico protegido
O patrimônio.
3. sujeito ativo
Caracteriza-se como sujeito ativo qualquer pessoa que induz ou mantém a vítima em erro, empregando meio fraudulento, a fim de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio. O terceiro beneficiado pela ação delituosa, se destinatário doloso do proveito do ilícito, será considerado co-autor.
4. sujeito passivo
Sujeito passivo é a pessoa enganada e que sofre a lesão patrimonial. Nada impede, portanto, que haja dois sujeitos passivos: um que é enganado e outro que sofre o prejuízo.
5. elementos objetivos do tipo
Para que o estelionato se configure são necessários:
5.1. Fraude
O código fala em artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Artifício é o engodo empregado por intermédio de aparato material, encenação, como, p. ex., no conto do bilhete premiado. Ardil é o engodo praticado por intermédio de insídia, como a mentirosa qualificação profissional.Por fim, o tipo recorre à interpretação analógica, compreendendo qualquer outro meio fraudulento, no qual se enquadram a mentira e a omissão do dever de falar.
A fraude bilateral não impede a caracterização do estelionato. O tipo penal não exige a boa-fé da vítima, razão pela qual o STF(RT 622/387) tem entendido caracterizado o estelionato mesmo na hipótese de torpeza bilateral, ou seja quando também a vítima está de má-fé na realização do negócio. Presentes as elementares do tipo, o estelionato estará caracterizado mesmo que a vítima estivesse de má-fé no negócio.
Há estelionato mesmo quando a fraude é praticada no jogo de azar, quando se retira do jogador, por fraude, a possibilidade de ganhar (STF). O que faz descaracterizar o ilícito é a fraude destinada a frustrar pagamento de negócio não tutelado pela lei, como, p. ex., no cheque falso entregue em razão de prostituição ou de jogo de azar. É o que entende Mirabete e como tem julgado o TACrSP.
É imprescindível que o meio fraudulento empregado pelo agente seja idôneo, apto a enganar a vítima. Do contrário, estaríamos diante de um crime impossível. A fraude grosseira é entendida como meio inidôneo, mas há súmula do STJ no seguinte sentido: “Súm 73. A utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual”.
5.2. Erro
É a falsa percepção da realidade. O agente pode: (1) induzir a vítima em erro; ou (2) mantê-la em erro se nele já havia incorrido espontaneamente.
5.3. Duplo resultado
Exige o tipo em análise a (1) obtenção de vantagem ilícita, para o próprio agente ou para terceiro, e (2) o prejuízo alheio.
Esclareça-se que a vantagem há de ser patrimonial, porque o estelionato protege o patrimônio. Se o fim não for patrimonial, mas, p. ex., libidinoso, estaremos diante de uma das figuras típicas dos crimes contra os costumes.
A vantagem tem que ser também ilícita. Se lícita, teremos o exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 CP).
Note-se que, como o próprio tipo penal faz referência à ocorrência de resultado, estamos diante de um crime material, em que se exige a ocorrência do resultado naturalisticamente falando.
Quanto ao prejuízo referido no tipo, temos que só há dano penal se houver dano civil, porque, como dissemos, protege-se o patrimônio. No entanto, o contrário não é verdadeiro, sendo perfeitamente possível a existência do ilícito civil sem que haja configurado o ilícito penal, que precisa da caracterização de todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo. Assim decidiu o STF(RTJ 93/978): “simples inadimplemento de compromisso comercial não é suficiente, por si só, para caracterizar o crime”.
6. elemento subjetivo do tipo
O estelionato só é punível a título de dolo específico, que é o intento de obter vantagem ilícita. Não se admite a figura culposa.
7. CONSUMAÇÃO
É crime material, consumando-se no momento e local em que o agente obtém a vantagem ilícita em prejuízo alheio.Tratando-se de estelionato de rendas mensais (delito eventualmente permanente), a jurisprudência diverge quanto ao momento consumativo. O STJ já se posicionou sobre o assunto no sentido de que há permanência na consumação, devendo-se, em conseqüência, contar a prescrição a partir da cessação da permanência.
8. TENTATIVA
Há tentativa se foram idôneos os meios empregados e, iniciada a execução do estelionato, o crime não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente (STF). Então, se o agente não consegue a vantagem ilícita ou não decorre prejuízo à vítima, estaremos diante do estelionato em sua figura tentada. O início da execução se dá com o engano da vítima e não com o uso da fraude, que é tido como ato preparatório.Enquanto o título fraudulentamente obtido não é descontado ou convertido, há só tentativa (STF).
9. REPARAÇÃO DO DANO
Somente na hipótese do subtipo do §2.º, VI (fraude no pagamento por meio de cheque), é pacífica a jurisprudência no sentido de que a reparação do dano antes do início da ação penal descaracteriza o estelionato (Súm 554 e 246 STF). Para o caput e demais subtipos, predomina o entendimento de que a reparação do dano somente atenua a pena pela incidência do art. 16 CP.A reparação do dano depois do recebimento da denúncia e antes do julgamento não mais caracteriza o arrependimento posterior do art. 16, mas está prevista como circunstância atenuante do art. 65, III, b do CP.
10. CLASSIFICAÇÃO
Crime comum quanto ao sujeito, doloso, material e instantâneo.
11. CONFRONTO
Se o sujeito passivo é incapaz de discernimento, teremos o abuso de incapaz (art.173 CP).No caso de falência, vide crimes falimentares (Dec-lei 7661/45).Pode-se ter a fraude processual, que é um tipo específico (art. 347 CP).Tratando-se de cédula de produto rural, vide L 8929/94, art. 17.Em caso de desvio de aplicação de créditos e financiamentos governamentais ou incentivos fiscais, vide L 7134/83, art. 3.º.Na hipótese de fraude quanto aos benefícios fiscais da Lei Sarney, vide art.14, §§1.º e 2.º da L 7505/86.Se a vítima é a seguridade social, há um tipo próprio no art. 95, j da L 8212/91.Em caso de declarações falsas ou inexatas acerca de bens oferecidos em garantia de cédula de crédito industrial, vide Dec-lei 413/69, art. 43.Por outro lado, não há que se confundir estelionato com apropriação indébita, porque nesta o dolo é subseqüente e naquele o dolo é ab initio. Igualmente não se deve confundir com a extorsão, pois o estelionato pressupõe uma vontade viciada da vítima, que entrega a coisa porque quer. A vítima está equivocada quanto à realidade. Na extorsão, diferentemente, a vítima sabe o que está acontecendo e faz a entrega da coisa contra a sua vontade, em razão de violência ou grave ameaça.O estelionato também não se confunde com o furto mediante fraude (art. 155, §4.º, II CP). Enquanto neste a fraude é empregada para desviar a atenção da vítima, que não percebe estar sendo furtado, naquele a fraude é a causa da entrega da coisa pela vítima.Como já foi dito, se a vantagem que busca o agente é lícita, estaremos diante do exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 CP), e não de estelionato.
12. estelionato e falsidade
Quanto à existência ou não de concurso de crimes entre eles, os tribunais têm adotado 4 teses diferentes:
a) O estelionato absorve a falsidade se esta foi crime-meio (STJ Súm 17);
b) Há concurso formal (STF);
c) O crime de falso prevalece sobre o de estelionato se for falsidade de documento público, cujas penas são superiores às do art. 171, e não quando for de documento particular, que tem as mesmas penas do estelionato (TJSP);
d) Há concurso material (TJSP).
Quanto à correlação entre a absolvição do agente por um e por outro, também têm divergido nossos tribunais:
a) absolvido pelo crime-fim, deve ser igualmente absolvido pelo crime-meio (STJ);
b) absolvido pelo crime-fim, subsiste a punição pelo crime-meio (TRF da 5a. região).
13. estelionato e furto
No furto de talão de cheques para a prática de estelionato, a subtração fica absorvida (STF). Mas se os cheques furtados já estavam assinados em branco, não há estelionato, mas somente furto (TACrSP). A venda da coisa furtada não caracteriza o estelionato, sendo post factum impunível do furto (TACrSP).
14. exame pericial
O STF julgou dispensável o exame pericial do documento falso usado para a prática do estelionato.
15. PENA
Reclusão, de um a cinco anos, e multa. Aplica-se portanto, a previsão de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da L 9099/95.
16. AÇÃO PENAL
Em regra, é pública incondicionada. Os arts. 181 e 182 do CP, aplicáveis a todos os crimes contra o patrimônio, trazem, respectivamente, as hipóteses em que haverá isenção de pena (escusas absolutórias) e as hipóteses em que se procederá mediante representação da vítima.
O art. 181 determina que é isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.São as chamadas escusas absolutórias de caráter pessoal, que atribuem imunidade absoluta, porque isentam de pena. Entende-se que é causa de exclusão da punibilidade. Não se pode punir, mas não deixa de ser crime (STF), tanto que é possível demandar civilmente para reaver o prejuízo.Em relação ao cônjuge, têm-se compreendido no art. 181 os cônjuges separados de fato.
O art. 182, por sua vez, prevê que se procede mediante representação da vítima (ação penal pública condicionada à representação) quando o delito é cometido em prejuízo: do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; de irmão, legítimo ou ilegítimo; de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.Essas são as imunidades relativas, porque não isentam de pena, mas exigem a representação para que se processe.Em relação ao cônjuge, entende-se que aqui se enquadra a hipótese de separação de corpos.A referência que o dispositivo faz a filhos legítimos e ilegítimos deve ser desconsiderada em razão da isonomia consagrada atualmente do direito civil.
O art. 183 traz exceções às disposições dos arts. 181 e 182, de modo que não se aplicam as imunidades: se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; e ao estranho que participa do crime.
17. estelionato privilegiado
O art. 170 torna aplicável ao estelionato, caput e subtipos, o previsto no art.155, §2.º, de modo que, se for primário o agente e de pequeno valor a coisa apreendida, o juiz terá as seguintes opções: substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuir a pena de um a dois terços, ou aplicar somente pena de multa. Vide comentário ao art. 155, §2.º CP.
18. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA
Aplica-se ao tipo fundamental do estelionato e dos subtipos previstos no §2.º o aumento de 1/3 da pena quando o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.Incide, portanto, quando em detrimento do INSS (STF e Súm 24 STJ) e da CEF (STF).Há que se esclarecer a situação dos tipos previstos em leis específicas e que fazem remissão expressa ao art. 171, como acontece na L 7134/83 (vide item 11). Nesse caso, Delmanto, acertadamente, defende a não incidência da causa de aumento, já que o próprio crime especial equiparado traz como elementar o prejuízo a pessoa jurídica de direito público e só faz referência ao art. 171, de modo que a aplicação do §3.º importaria violação ao princípio da reserva legal e da proibição de analogia em prejuízo do réu.
19. subtipos
19.1. Disposição de coisa alheia como própria
O sujeito passivo, nesse caso, é o adquirente enganado e não o proprietário da coisa.O tipo fala em vender, permutar, dar em pagamento, locar ou dar em garantia coisa alheia. O rol é taxativo, de modo que não inclui a promessa de compra e venda, nem a cessão de direitos (STF), que podem restar enquadrados no caput.É elemento subjetivo do tipo o dolo específico, sendo imprescindível que o agente saiba ser a coisa alheia (elemento normativo).A consumação se dá com a aferição da vantagem, ou seja, com o recebimento do preço, da coisa permutada, do aluguel, da quitação ou do empréstimo. Assim é que, apesar das divergências, tem-se entendido que o registro, no caso de imóvel, e a tradição, no caso de móvel, são dispensáveis para a caracterização do ilícito (Mirabete, Hungria, Damásio).Diferentemente, o registro, sob outro ângulo, é imprescindível. O agente que vende pela segunda vez imóvel, não tendo o primeiro comprador negligentemente efetuado a transcrição do domínio, não pratica estelionato, porque ausente o elemento normativo “alheia” (TACrSP).A venda de coisa alienada fiduciariamente em garantia configura esse subtipo por expressa previsão legal (art. 66, §8.º da L 4728/65, com redação alterada pelo Dec-lei 911/69).Lembrar que se o agente tem a posse ou a detenção anterior da coisa alheia de que dispôs, estaremos diante da apropriação indébita, e não do estelionato por disposição de coisa alheia como própria.
19.2. Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria
O sujeito ativo é só o dono da coisa e o sujeito passivo é o que recebe a coisa desconhecendo ser ela inalienável, gravada, litigiosa ou prometida a terceiro em prestações. O objeto material pode ser móvel ou imóvel, mas o tipo, quando prevê a promessa a terceiro, reduz somente aos imóveis.
O dispositivo incrimina o sujeito que vende, permuta, dá em pagamento ou dá em garantia coisa própria inalienável, gravada, litigiosa ou, sendo imóvel, prometida a terceiro em prestações.O rol é também taxativo, de modo que não inclui a locação (prevista no inc. I), nem a promessa de compra e venda, nem a cessão de direitos (STF), que podem restar enquadrados no caput.Mirabete esclarece os conceitos trazidos pelo dispositivo, assim lecionando: É inalienável a coisa que não pode ser vendida por força de lei, convenção ou testamento (arts. 293, 1165 e ss e 1676 do CC). Coisa gravada de ônus é aquela sobre a qual pesa um direito real em decorrência de lei ou de contrato (art. 674 do CC), como hipoteca, penhor, enfiteuse, usufruto, uso etc. Não se inclui a coisa penhorada, eis que a penhora é instituto processual e não o ônus a que se refere a lei.
O fato, entretanto, poderá constituir, conforme as circunstâncias, o crime de fraude à execução (art. 179 do CP). Para que a coisa seja litigiosa, necessário que sobre ela recaia querela judicial. Por último, a coisa que o agente prometeu vender a terceiro em prestações também pode ser objeto do crime.Delmanto faz a distinção, apresentando jurisprudência no sentido de que a penhora feita pelo oficial e reduzida a termo pode dar ensejo a esse tipo penal (TACrSP, TJSP); já a penhora processual não pode ser classificada entre as garantias ou ônus que constituem o gravame de que trata o §2.º do art. 171 (TACrSP, TJSC).Tanto Delmanto quanto Damásio mencionam a celeuma em torno da tipificação do depositário que aliena coisa própria penhorada. São três as soluções apresentadas.
Uns entendem que estaria caracterizada a fraude à execução. Outros enquadram nesse subtipo de estelionato. E a terceira corrente defende inexistir crime, permanecendo o fato na esfera cível exclusivamente.No tipo que estamos analisando, o agente ilude a vítima sobre a condição da coisa alienada ou onerada, silenciando sobre quaisquer das circunstâncias referidas. Esse silêncio é condição essencial para a configuração do crime (TACrSP, TJSP).Exige-se o elemento subjetivo do tipo, que, assim como no caput, é o dolo específico. A consumação, assim como no caput, dá-se com a aferição da vantagem ilícita, em prejuízo alheio.
19.3. Defraudação de penhor
Consiste em defraudar, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado.O sujeito ativo é, portanto, o devedor do contrato de penhor que tem a posse do objeto empenhado. O sujeito passivo, por sua vez, é o credor pignoratício. O tipo trata do penhor, de modo que somente estão compreendidos os bens móveis e os mobilizáveis.O núcleo do tipo está no verbo defraudar, que significa privar com dolo, seja por intermédio da alienação (venda, permuta, doação etc), seja por qualquer outro modo (destruição, ocultação, desvio, abandono etc). A defraudação pode ser total ou parcial. O que é importante é a falta de consentimento do credor pignoratício, que constitui elemento normativo do tipo.O elemento subjetivo é o dolo específico, que envolve o conhecimento de que o objeto material constitui garantia pignoratícia e a vontade de defraudar.Há discussão se é ou não crime material, ou seja, se precisa da vantagem ilícita ou se basta a defraudação sem o consentimento do credor.
19.4. Fraude na entrega de coisa
Consiste em defraudar quantidade, qualidade ou substância de coisa que deve entregar a alguém.O sujeito ativo é quem tem o dever de entregar a coisa e o passivo o que deve recebê-la. Deve haver, portanto, uma relação obrigacional entre eles (elemento normativo). Pode ser a coisa móvel ou imóvel.Precisa estar presente o dolo específico.Heleno Cláudio Fragoso chama atenção para o fato de que o agente precisa querer iludir o destinatário a respeito da quantidade, da qualidade ou da substância da coisa, não bastando o simples e aberto propósito de não cumprir o contrato, pois seria mero ilícito civil.Consuma-se com a entrega da coisa defraudada. Há tentativa, p. ex., quando o destinatário, descobrindo o engano, recusa-se a receber o objeto defraudado.
19.5. Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro
É figura típica de formulação alternativa, sendo previstas as seguintes ações:
a) destruir ou ocultar coisa própria
b) lesar o próprio corpo ou a saúde
c) agravar as conseqüências de lesão ou doença
Praticando uma, algumas ou todas essas ações, o agente pratica um único delito.O sujeito ativo é o segurado e o passivo, o segurador. Tem-se, portanto, crime próprio. No entanto, são possíveis a co-autoria e a participação quando terceiro, conhecendo o intuito lesivo, colabora ou auxilia a mando do segurado. E mais: o co-autor que, visando a indevida vantagem econômica em detrimento da seguradora, causa lesão corporal no segurado, pratica 2 crimes: subtipo de estelionato e lesão corporal.
É preciso, portanto, haver um contrato válido de seguro entre os sujeitos ativo e passivo, sendo irrelevante quem seja o beneficiário.É preciso que a conduta seja idônea a produzir o resultado (indenização ou valor do seguro). Do contrário, teremos um crime impossível.O tipo subjetivo é igualmente o dolo específico.A consumação se dá com a prática da conduta típica (destruir, ocultar, lesar).
Ao contrário dos demais subtipos de estelionato, trata-se de crime formal, não se exigindo para a consumação a obtenção da vantagem ilícita. Basta a prática do ato, seguida do pedido de indenização ou do valor do seguro.A tentativa é admissível. Delmanto traz julgado que a admite na forma de ocultação.Se o fato causar perigo comum, teremos que distinguir:
(1) se causar incêndio ou explosão, responderá por um desses tipos penais com as respectivas causas de aumento pela finalidade de obter vantagem pecuniária;
(2) se causar inundação ou desabamento, aplicar-se-á a regra do concurso formal com o subtipo de estelionato.
19.6. Fraude no pagamento por meio de cheque
Consiste em emitir cheque sem suficiente provisão de fundos ou frustrar-lhe o pagamento.O sujeito ativo é qualquer pessoa que emite o cheque ou lhe frustra o pagamento. Haverá co-autoria no caso de conta conjunta e haverá participação, p. ex., na instigação.Não obstante as divergências doutrinárias, o STF já entendeu não ser o endossante co-autor do delito. O tipo fala em emitir, não sendo possível interpretar de forma ampliativa para prejudicar. O que pode acontecer é ser o endossante partícipe, quando, p. ex., ele toma conhecimento da insuficiente provisão de fundos e não o desconta, transferindo-o a terceiro. O sujeito passivo é o tomador do cheque. Quanto aos elementos objetivos do tipo, temos que pode ser cometido por intermédio de 2 condutas:
a) emitir cheque sem suficiente provisão de fundos em poder do estabelecimento bancário sacado
b) frustrar o seu pagamento
O cheque emitido não é só o preenchido e assinado. É, antes de tudo, o cheque posto em circulação. Ele tem que ter sido preenchido (ao menos parcialmente), assinado e posto em circulação. Se o cheque está com nome falso, tendo sido emitido por outrem, que sabe não haver fundos, não estaremos diante do subtipo do inc. VI, mas sim do caput do art.171. Dá-se a frustração do pagamento quando, sem justa causa, o agente retira a quantia antes do saque, dá contra-ordem de pagamento ou bloqueia a conta.Não há crime se o cheque não tiver sido dado como ordem de pagamento a vista. O STF afirma que o cheque dado como garantia de dívida está desvirtuado de sua função própria e não configura do delito. O Excelso Pretório entendeu que a emissão antecipada, para apresentação em data posterior (pós-datado ou pré-datado, dependendo do referencial) transforma o chequeem mera garantia de dívida. A existência de avalista faz presumir que o cheque foi dado como garantia ou promessa, descaracterizando o ilícito.
A emissão ou a frustração do pagamento desse cheque tem que representar prejuízo novo para a vítima, de modo que não há a caracterização do ilícito se ele é dado em troca de outro título (STF).O STF tem julgado no sentido de que, se o cheque está vinculado a contrato, a rescisão judicial deste afasta a configuração delituosa da emissão sem suficiente provisão de fundos daquele.Também o STF tem admitido a configuração dessa figura delituosa quando é emitido cheque sem fundos em pagamento de crédito resultante da rescisão de contrato de trabalho.
Quanto ao cheque especial, há que se dizer que, em regra, não admite essa figura típica. A jurisprudência tem, entretanto, admitido quando patente o intuito de fraudar. É o que ocorre, p. ex., quando o valor excede, de muito, o garantido pelo banco sacado. O tipo subjetivo é o dolo específico. É necessário que o sujeito tenha consciência de que está enganando a vítima por intermédio da emissão de cheque sem fundos.
Sem a fraude não há delito (Súm 246 STF).É delito material, consumando-se no momento e local em que o banco recusa seu pagamento (Súm 521 STF). Admite-se a tentativa, porque há um iter.Mas se, antes da apresentação do cheque, o agente deposita a quantia necessária, não será tentativa, mas efetivamente arrependimento eficaz (art. 15 CP).Se, antes do recebimento da denúncia, o agente paga ou consigna (pode ser judicialmente) o valor correspondente, o STF entende excluir a justa causa para a ação penal (Súm 554). É a única hipótese em que a reparação do dano antes do início da ação penal descaracteriza o estelionato. E o efeito desse pagamento se estende aos co-autores (STF).
20. entendimentos sumulados
Súmulas 24, 48 e 73 do STJ
Súmulas 107, 246, 521 e 554 STF
BIBLIOGRAFIA
1-DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
2-JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 19.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v.2.
3-MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999.