O Omega-3 condiciona o desenvolvimento cerebral
As condutas agressivas poderão, em parte, encontrar a sua origem numa dieta desadequada, segundo recentes investigações a que The Guardian faz eco. Diversos ensaios clínicos realizados no Reino Unido e nos Estados Unidos demonstraram que a insuficiência alimentar em ácidos gordos omega-3 propicia comportamentos violentos e depressão e que, pelo contrário, reclusos submetidos a uma mudança na sua alimentação onde se incluíram estes ácidos modificaram notavelmente o seu comportamento, tornando-se menos agressivos.
Os ácidos gordos omega-3 encontram-se nos pescados azuis (sardinhas, salmão, atum, truta), o linho ou as sementes de abóbora, cânhamo ou nozes, entre outros alimentos. Investigações anteriores tinham demonstrado que o consumo em grandes quantidades destes ácidos gordos aumenta o tempo de coagulação do sangue – evitando as doenças cardiovasculares - e tem efeitos benéficos sobre o cérebro, diminuindo os efeitos da depressão e inclusive o rendimento intelectual das crianças em idade escolar.
Agora, os especialistas assinalam, além disso, que as desordens agressivas e depressivas poderiam aumentar através da deficiência nutricional em ácidos gordos omega-3. Peritos como Joseph Hibbeln, do National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism de Bethesda, nos Estados Unidos, publicam num artigo (pdf) dado à estampa na International Review of Psychiatry, que elevadas deficiências em ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexanoico (tipos de ácidos gordos omega-3), poderiam diminuir os níveis de serotonina do cérebro em períodos críticos do desenvolvimento neurológico, provocando uma evolução deficiente dos sistemas de neurotransmissão cerebrais e limitando o funcionamento óptimo do sistema límbico e do córtex frontal do cérebro.
Identificar os nutrientes
Os efeitos destas carências podem manifestar-se no comportamento, com atitudes agressivas e hostis e incapacidade para controlar o stress e a violência na idade adulta. Esta situação seria em parte reversível se se aumentasse o consumo desses ácidos gordos.
Apesar da Organização Mundial da Saúde ter publicado no ano passado que, em 2020, as desordens neuropsiquiátricas seriam 14% do total das doenças mundiais, a relação da nutrição com as desordens psiquiátricas foi ainda pouco estudada, assinalam Hibbeln e seus colegas.
A identificação dos nutrientes que poderiam ajudar no tratamento de tendências agressivas ou depressivas resulta extremamente útil graças ao seu baixo custo e implementação a nível global. Os ácidos gordos omega-3 (especialmente o EPA e o DHA) concentram-se selectivamente no cérebro e podem alterar os processos neuroquímicos de certas doenças psiquiátricas graves. A sua carência pode potenciar a agressividade, uma marca social cada vez maior no Ocidente, onde, segundo os investigadores, a nossa dieta talvez careça bastante deste tipo de ácidos gordos.
Reclusos menos agressivos
As investigações realizadas nos Estados Unidos e no Reino Unido realizaram-se com delinquentes que foram submetidos a uma mudança na sua dieta com o fim de provar se os nutrientes que consumiam podiam ter alguma relação com as suas atitudes agressivas.
Investigadores do National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism, que faz parte do National Institute of Health norte-americano, divulgaram anúncios para alcoólicos agressivos no Washington Post no ano 2001.
Cerca de 80 voluntários responderam à chamada e submeteram-se a um período de desintoxicação de três semanas, e depois a metade deles – escolhida aleatoriamente - foi fornecida duas gramas por dia de ácidos gordos omega-3 (EPA e DHA) durante três meses, enquanto que aos restantes foi dado placebos. Esta prova, quase terminada, demonstrou que os voluntários que realmente tomaram os ácidos gordos essenciais mudaram de atitude em relação aos que consumiram o placebo.
Outro estudo piloto com 30 pacientes com comportamentos violentos tinha demonstrado anteriormente que, graças ao consumo destes ácidos gordos, os comportamentos agressivos tinham diminuído um terço. Os resultados surgiram das medições dos graus de hostilidade e irritabilidade dos voluntários.
No Reino Unido, outro estudo levado a cabo numa prisão de alta segurança para jovens delinquentes, demonstrou que os comportamentos violentos podiam ser atribuíveis, pelo menos em parte, a deficiências alimentares.
A prova realizou-se na prisão de Aylesbury. Nela, forneceram-se a 231 jovens presos multivitaminas, minerais e ácidos gordos essenciais, o que levou a que o número de delitos violentos registados dentro da própria prisão diminuísse 37%. O resto dos delitos também se reduziu em 26%.
Por causa destas descobertas, o governo alemão iniciou um projecto com o qual tentará conhecer o efeito destes suplementos nutricionais nos seus próprios reclusos.
Efeitos no cérebro
Segundo as investigações realizadas, os efeitos destes nutrientes no nosso cérebro podem explicar-se desde o ponto de vista bioquímico e biofísico. As deficiências em gorduras essenciais que o cérebro necessita, assim como os nutrientes necessários para metabolizá-los, origina uma série de problemas mentais que vão desde a depressão até a agressividade.
Os ácidos gordos essenciais não podem obter-se senão consumindo-os, porque o organismo humano não os elabora. Estes ácidos fazem parte da estrutura cerebral e compõem 20% das membranas das células nervosas. As sinapses ou enlaces de ligação entre as células nervosas contêm uma proporção maior de ácidos gordos - com 60% de ácidos gordos omega-3 DHA.
São, portanto, essenciais para que os sinais entre os neurónios circulem de maneira eficiente. Se não é assim, os neurotransmissores deixam de funcionar adequadamente, com um risco acrescido de suicídio, depressão e de desenvolvimento de comportamentos violentos e impulsivos.
Dietas inadequadas
Diferentes especialistas assinalam, a propósito, que as dietas modernas poderiam estar a mudar profundamente a arquitectura e o funcionamento do nosso cérebro. Durante o último século, os países desenvolvidos reduziram drasticamente o consumo de ácidos gordos omega-3, sobretudo porque aumentou o consumo de azeites industriais como o da soja, o milho e girassol.
Hibbeln e os seus colegas estudaram o aumento do consumo de outros ácidos gordos, os omega-6, de azeites de sementes, em 38 países desde 1960, comparando-o com o aumento das taxas de delitos violentos no mesmo período. E em todos os casos o consumo destes ácidos gordos, estava relacionado com uma subida progressiva da taxa de homicídios.
Pelo contrário, nas sociedades onde o consumo de ácidos omega-3 foi mais elevado que o dos ácidos omega-6, porque as pessoas incluem o pescado na sua dieta, como no Japão, as taxas de homicídios e depressão mantêm-se baixas.
Evidentemente, a dieta não é a única causa do aumento da violência no Ocidente, assinalam os investigadores. No entanto, convém levar em conta que poderia ter uma certa influência. Experiências realizadas nos laboratórios do National Institute of Health demonstraram além disso que a composição das membranas das células nervosas do cérebro de pessoas dos Estados Unidos era diferente da das pessoas japonesas, que consomem mais ácidos gordos omega-3.
As membranas das células nervosas dos americanos continham maior quantidade de ácidos gordos omega-6, menos flexíveis e, portanto, menos propiciadores das sinapses, enquanto que os japoneses tinham nas suas membranas celulares maior quantidade de ácidos gordos omega-3.
Portanto, o cérebro também sofre os efeitos da industrialização. As mudanças na nossa dieta não só afectam a saúde do organismo, mas também a mental.
Yaiza Martínez