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O canto dos prosadores - O Pardal
Adorava a liberdade. Talvez por isso toda a família o conhecesse por Zé Pardal.
Lembro-me bem das histórias contadas pela minha Mãe, nos tempos em que vivíamos no Casal da Eira, sito no Calhabé conimbricense, à luz trémula do candeeiro de petróleo, enquanto esperávamos a emissão do “Serão para os Trabalhadores”.
A Avó Beatriz não era para brincadeiras. Quando o Pardal não comparecia à hora costumeira do jantar, era certo e sabido que ia haver “festa”. O cerimonial, incrivelmente, parecia ser sempre o mesmo.
Já noite entrada, lá aparecia ele, de olhitos enfiados, cabelo revolto e joelhos deitados abaixo.
Do alívio das preocupações de Mãe, nascia, invariavelmente, o discurso reprovador que se impunha:
- Ah! Meu malandro! Onde é que tu andaste? Vá. Vai lavar essas mãos para vires jantar.
Sempre achei extraordinária aquela forma de actuar. Para a minha Avó, saciar a fome perfilava-se como algo de sacrossanto. Oito filhos. A nenhum faltou o pão. Trabalhava até à exaustão. Quando os tostões, em época de racionamento, não chegavam, lá conseguia trazer os restos do rancho do “12”. O meu Avô, que servia nos caminhos-de-ferro, ganhava a miséria que Portugal sempre pagou a quem trabalha. Integérrimos a Beatriz e o Augusto! Pobres até à morte, mas ricos de honestidade e fortes de carácter. Um dia, o Estado que se dizia Novo até lhes concedeu um prémio por terem tantos filhos. Um outro dia, talvez crendo que os tinham a mais, esse mesmo Estado enviou o sangue dos premiados para a Guerra Colonial.
Sentava-se. A mesa posta só para ele. Comia com gosto, sempre pensando que o perdão já havia sido concedido.
Terminada a refeição, era-lhe ordenado que se fosse deitar. Era aí que o sarrafo entrava em cena. Em trajes menores, a fuga era impossível e o castigo mais do que inevitável. Enquanto as nódoas negras não lograssem amarelecer, o Pardal andava direitinho que nem um fuso.
Sempre exagerado nas estórias que contava, era um gosto ouvi-lo. Sobretudo aquando das visitas ao Portugal dos Pequenitos, onde trabalhou até à reforma.
Soube anteontem que os exageros do meu Tio Zé Pardal já não cabem mais na pequenez deste Portugal.
Espero, desta feita, que a minha Avó Beatriz não o castigue por ter chegado atrasado à mesa do jantar. Em boa verdade, creio que o irá repreender por ter comparecido cedo demais.
Um abraço, Tio Zé Pardal!
Dedico-lhe, cantando, a primeira quadra da “Balada Aleixo”.
Quem canta por conta sua Canta sempre com razão Mais vale ser Pardal na rua Que rouxinol na prisão
Abel Dias Ferreira
Criado em: 17/10/2006 • 07:28
Actualizado em: 17/10/2006 • 08:03
Categoria : O canto dos prosadores
Comentários
Comentário n°1 |
xistosa
29/12/2006 • 20:24 |
São pequenos nadas que engrandecem uma obra. Há mais de duas horas que vejo os escaparates bem alinhados e com bom gosto. Matei saudades com os erros do ditado, por onde estudei. Não sei como vim cá parar, certamente não darei com o caminho, vou ficar com as coordenadas. Tudo muito bem estruturado, até dá gosto, principalmente para que nada percebe, que é o meu caso. (burro velho nunca mais aprende). Continuem e que tenham todo a sorte do mundo !!!
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