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Docemente, caiu sobre ele, já inanimado, espelhando o sol, em mil reflexos, numa lágrima de orvalho que lhe beijou a alma.
Vivia nas matas donde nunca se atrevera a sair. O verde era tudo o que se reflectia nos seus olhos. Uma esperança sem cor e sem horizontes. Por vezes, o lince ousava sair do arvoredo e olhar o monte que se elevava defronte de si. Qualquer ruído, o mais pequeno clarão de um relâmpago que passasse, um ínfimo sopro de vento o faziam tornar aos ramos que o escondiam da luz e o privavam da vida. Não sabia disso, o lince.
Um dia todo feito de azul e quietude, atreveu-se a sair um pouco mais e divisou, na encosta, uma Flor, ainda em botão. Olhou. Perscrutou tudo em redor de si. E, temeroso, pé ante pé, acercou-se do botãozinho que baloiçava nos perfumes que dentro de si prometia. Ficou feliz, o lince, e apaixonou-se.
Era vê-lo, encantado, logo ao raiar da manhã, correr, todos os dias, para junto da sua amada que balançava feliz e que ele admirava embevecido por sonhos coloridos.
O tempo passou. E a Flor, antes tão viçosa, começou a murchar. Não se dera conta, o lince, que lhe tapava o sol e a privava da chuva de tão próximo que queria estar dela. Não entendia que, assim, a impedia de desabrochar.
Entristeceu-se. As lágrimas caíram no pé de quem tanto amava. Afastou-se. Embrenhou-se nas matas de que era prisioneiro.
Algum tempo volvido, alquebrado pela saudade e pela mágoa, arrastou-se para ver, ainda que de longe, aquela que sempre fora o único afago que o seu coração conhecera.
Surpresa! Distante, ela bailava em rescendentes cores. Linda! Mais bela do que nunca! Mal sabia o lince que haviam sido as suas lágrimas que a tinham salvo da aridez que a sua proximidade provocara.
Sorriu, numa felicidade efémera e derradeira.
Docemente, caiu sobre ele, já inanimado, uma pétala espelhando o sol, em mil reflexos, numa lágrima de orvalho que lhe beijou a alma.
Abel Dias Ferreira
Criado em: 07/09/2006 • 01:31
Actualizado em: 07/09/2006 • 01:37
Categoria : O canto dos prosadores
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