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TENDÊNCIAS 21 -
Deus está no nosso cérebro?
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No artigo anterior [não traduzido] explicamos que na transição da consciência cognitiva (característica do nosso “conhecimento” a Ocidente) para a consciência pura (ligada à “evidência” do Real a Oriente) é abolida a natureza intencional própria daquela, que deixa assim de estar dirigida para os objectos, o que se relaciona com a dissolução da dualidade sujeito-objecto essencial a essa natureza.


Do ponto de vista neurológico, as áreas do cérebro relativas a essa natureza intencional localizam-se no córtex pré-frontal. [pdf]

Esta participa de uma profusa e complexa comunicação com muitas outras partes do cérebro, o que sugere que a função global do córtex pré-frontal poderia ser a de integrar as suas funções próprias com as de outras áreas corticais e sub-corticais dando forma à representação do “objecto” que intervém na relação sujeito-objecto.

Protagonismo do córtex pré-frontal

O córtex pré-frontal liga-se, através de fibras projectivas, às estruturas sub-corticais (giro cingulado, tálamo, hipotálamo, hipocampo, amígdala, etc.) ligadas à orientação e às emoções.

Também, por meio de fibras associativas, comunica com diferentes áreas corticais relacionadas com os sentidos, o movimento, a linguagem e outras funções cognitivas; a este respeito, resulta particularmente significativo que só o córtex pré-frontal recebe aferências de todos os tipos sensoriais (incluído o olfacto), assim como das áreas de associação multimodal.

Existe além disso uma grande interligação entre o córtex pré-frontal e as áreas associativas do lóbulo parietal inferior, implicadas na formação de conceitos.

Tudo isso parece indicar que o córtex pré-frontal é a região cerebral onde os aspectos abstractos da percepção sensorial se interligam numa vivência unitária.

Finalmente, as áreas pré-frontais comunicam de ambos hemisférios cerebrais através de fibras do corpo caloso.

A actividade pré-frontal e o sentido do “eu”

Aprofundando o caráter intencional da actividade pré-frontal, relacionam-se com o mesmo estes três aspectos:

1) A antecipação e a selecção do objecto em geral, a concentração e as operações cognitivas realizadas sobre o mesmo, assim como as ações motoras que para ele se dirigem

2) A inibição dos detalhes irrelevantes (sensoriais, emocionais, etc.) relativos ao objecto, e daqueles que causem obstáculos à sua representação

3) O estabelecimento do ponto de vista cognitivo implícito na dualidade sujeito-objetiva.

No tocante ao ponto 3), a dualidade básica entre sujeito e objecto pode chegar a anular-se sob duas condições.

Por um lado, se a actividade pré-frontal cai ambaixo de um limiar mínimo, como sucede no estado de dormir profundo, no qual o registo electroencefalográfico (EEG) dominante de ondas delta de baixa frequência se associa a uma diminuição global do fluxo sanguíneo no cérebro e especialmente no córtex pré-frontal.

Esta diminuição global caracteriza também o estado de dormir com sonhos, se bem que aqui há um reactivação da área pré-frontal ventromedial, ligada ao sistema límbico e às emoções, mesmo que como no estado anterior persiste a desactivação da área pré-frontal dorsolateral, responsável da função executiva, a memória de trabalho, o planeamento e o processo de decisão.

A baixa actividade da área pré-frontal dorsolateral nestes dois estados de consciência provoca uma distorção profunda do sentido do “eu”, que afecta o ponto de vista cognitivo mencionado no ponto 3).

Meditando no laboratório

Por outro lado, também se chega à anulação da dualidade sujeito-objecto se a actividade pré-frontal se eleva acima do limiar próprio do estado de vigília.

Este caso está associado às experiências de transição do âmbito da consciência cognitiva para o da consciência pura.

Através dos actuais sistemas de análise de imagens podem-se identificar no laboratório as áreas cerebrais que aumentam ou diminuem a sua actividade em tais experiências.

Nos casos estudados, o processo que conduz às mesmas implica o exercício da meditação profunda, baseada no uso de imagens mentais ou de orações.

Neuroteología

Ao longo dos últimos anos têm vindo a realizar-se numerosas investigações neurológicas, em voluntários de diferentes credos religiosos durante os seus momentos de meditação, que revelaram mudanças na actividade do cérebro relacionados com a manifestação de um estado de consciência no qual se descreve a extinção do sentido do “eu” individual.

Tais estudos enquadram-se dentro da disciplina neurocientífica denominada neuroteología.

A neuroteología refere-se ao estudo da neurologia do sentimento religioso e da espiritualidade, que implica o aumento e o descenso da actividade em diversas regiões cerebrais, como explicou o neurologista James Austin nos seus livros Zen and the Brain e Zen-Brain Reflections, editados pelo Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT).

A neuroteología é uma disciplina popularizada recentemente, especialmente a partir da publicação, em 2001, do artigo God and the Brain em Newsweek.

Uma realidade transcendente

Andrew Newberg e Eugene D'Aquili, da Universidade de Pensilvânia, são dois pesquisadores mencionados também nesse artigo; descobriram que no estado de meditação profunda desactivam-se regiões do cérebro reguladoras da construção da própria identidade, o que permite que o sujeito perca durante a sua prática o sentido do próprio eu individual, que estabelece a fronteira entre ele mesmo e tudo o demais e se sinta assim integrado numa totalidade única transcendente.

As imagens cerebrais obtidas por meio da tomografia computorizada por emissão de um só fotão (SPECT), sobre voluntários em meditação, revelam uma actividade inusual da região pré-frontal dorsolateral e um decaimento da actividade da área de orientação do lóbulo parietal, que processa a informação sobre o espaço e a localização do corpo no mesmo: determina onde termina o próprio corpo e começa o espaço exterior.

Concretamente, a área esquerda de orientação gera a sensação de um corpo fisicamente delimitado, enquanto a direita cria a representação do espaço externo ao dito corpo.

A actividade da área de orientação requer o aquisição de dados sensoriais. Se (como ocorre na meditação profunda) não se dá a entrada de tais dados na área esquerda, limita-se a capacidade do cérebro para estabelecer a distinção entre o corpo e o espaço exterior.

No caso da área direita, a ausência de dados sensoriais provoca uma sensação de espaço “oceânico” infinito.

A partir dos resultados destas e outras investigações, e da consideração do relato geral de experiências místicas e transes extácticos, costuma afirmar-se que o cérebro tem em si a capacidade de se ligar a uma realidade que transcende a dos objectos, tanto físicos como mentais, percebida habitualmente, o que constitui um fenómeno comum descrito na base das tradições religiosas.

Deus no cérebro: a favor e contra

De maneira inevitável, todas as investigações que são feitas dentro do marco da neuroteología suscitam uma forte controvérsia.

Para uns, a existência de uma configuração cerebral específica associada à espiritualidade e ao sentimento religioso constitui um argumento a favor da existência de Deus; como se Deus perfilasse no cérebro a pegada da sua presença para favorecer no ser humano o seu conhecimento e o impulso de chegar até Ele.

Para outros, a dita configuração confirma que a experiência mística, reveladora da existência de Deus, é só mais um produto da actividade cerebral, um patrão neurológico carente de correlação real além dessa actividade.

Para os primeiros, a possibilidade do cérebro estar biologicamente preparado para abrir a porta à realidade transcendente que conduz a Deus, levaria ao aparecimento das crenças religiosas no desenvolvimento da espécie humana.

Para os segundos, tais crenças teriam sido previstas pela evolução para ajudar os seres humanos a superar as dificuldades da vida, contribuindo assim para a sobrevivência da espécie.

É interessante notar que onde uns esgrimem o argumento “Deus”, os outros fazem o mesmo com a “evolução”, resultando em palavras quase intercambiáveis.

Um debate problemático

O erro comum a ambos os pontos de vista consiste em colocar a questão da existência de Deus em termos de “objectividade”, pretendendo que da actividade do cérebro possa concluir-se pela existência ou inexistência de Deus como mais um objecto entre os demais objectos, externos ou internos, do mundo em que vivemos.

Debater a existência de Deus como uma objectivação externa, não será mais produtivo que fazê-lo sobre a existência “aí fora” da cor a que denominamos “vermelho” ou do sabor a que chamamos “salgado”, além da actividade produtiva do sistema nervoso em geral e do cérebro em particular.

Transferir o debate para o âmbito da objectivação interna, considerando Deus como mero objecto de uma crença, também não contribuirá em nada de substancial sobre a sua inexistência, pois as simples crenças são, além disso, o que entendemos por “liberdade” ou “justiça”, sem que ninguém possa negar a evidência do seu imenso poder inspirador e mobilizador.

O planeamento deficiente do confronto entre os dois pontos de vista já assinalados, aumenta se levarmos em linha de conta a presença de tradições religiosas carentes de Deus, como o budismo nas suas diferentes variedades e escolas.

A este respeito, é relevante notar que entre os voluntários participantes nos estudos de Newberg e D'Aquili figuraram monges budistas tibetanos (além de religiosos franciscanos).

Em todo o caso, se a essência do debate se limita a girar em torno de que devemos ou não devemos “ver” Deus na imagem SPECT da actividade cerebral própria da meditação profunda ou nos efeitos do campo magnético produzido pelo capacete desenhado pelo neurocientista Michael Persinger ou inclusivemente nos que produz a ingestão do fungo psilocybin, sem dúvidaque a discussão se enriqueceria mais ainda se levássemos em conta que a santa espanhola Teresa de Jesus declarava “ver” também Deus “entre as panelas da cozinha”.

A necessidade de um ponto de vista amplo

A abordagem de um assunto de tanta envergadura obriga, sem dúvida, a tomar em consideração todos os âmbitos e disciplinas relacionadas com o mesmo.

A este respeito, uma perspectiva de análise especialmente interessante, pela sua vasta amplitude, é a da investigadora Anne Runehov, da Universidade de Upsala (Suécia), cuja tese de doutoramento aproxima as explicações neurocientíficas da experiência mística, tendo recebido recentemente o prémio de pesquisa da Sociedade Europeia para o Estudo da Ciência e a Teologia (ESSSAT).

A investigação de Runehov, baseada nos estudos dos neuroteólogos Persinger, Newberg e D'Aquili, conclui que a neurociência, por si só, pode explicar unicamente a experiência mística até certo ponto e dentro de uma metodologias restrita, que necessariamente deve estar aberta a estudos provenientes de outras disciplinas, como a sociologia, a teologia, a filosofia da religião, a ética e a psicologia.

Definitivamente, trata-se de defender uma perspectiva de análise coerente, ampla e informada, que pela sua própria riqueza se mantenha a salvo de cair em fáceis e empobrecedores reducionismos.

Quando a natureza própria do debate anteriormente referido é vista da óptica desta perspectiva multidisciplinar, bem pode dizer-se que o reducionismo de corte neurológico não se diferencia na essência do reducionismo de corte semântico, e neste sentido Deus estará no nosso cérebro tanto como nos nossos dicionários.

 


Mario Toboso é Doutor em Ciências Físicas pela Universidade de Salamanca e membro da Cátedra de Ciência, Tecnologia e Religião da Universidade Pontifícia Comillas. Editor do blog Tempus Tendências21 e membro do Conselho Editorial desta revista. Este artigo é o segundo de uma série de dois sobre o tema da consciência. Ir ao artigo anterior. [não traduzido]

 

 

Tradução JURIS
Ligação para o artigo original
Parceria JURIS - Tendencias 21



Criado em: 03/08/2006 • 14:38
Actualizado em: 05/02/2021 • 18:37
Categoria : TENDÊNCIAS 21


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Comentários


Comentário n°2 

Fernanda Araújo 03/10/2007 • 13:49

Depois de ler o V. artigo verifico afinal que a ciência está no bom caminho. Isto porque a minha opinião, desde há muito tempo, é que a humanidade só tem a beneficiar se compreender verdadeiramente o que é deus, este é nada mais nada menos que a energia que cada ser humano recebe consoante a forma de estar e de pensar. Não defendo nenhuma religião em particular, pese embora respeite todas elas, visto que correspondem aos dogmas e crenças de cada um. No entanto, entendo que todas elas convergem no mesmo sentido num deus uno. Para mim deus está presente em cada ser humano e essa presença influencia o físico,  pois só assim  se compreende a capacidade e diversidade de acesso ao conhecimento dependendo da capacidade de cada ser humano de meditar libertando-se das barreiras porvocadas pelo ego. Este impede a experiência do conhecimento interior e impede o acesso ao conhecimento do nosso "disco rígido", ou seja, ao subconsciente que tudo sabe e conhece. Daí, que relacionar a neurociência com a espiritualidade é o caminho para chegar a deus, e este que reside em cada ser humano  expressa-se atráves da qualidade dos seus pensamentos. O ser humano resiste a tudo se for movido por pensamentos e sentimentos puros e positivos. Ora, como os pensamentos são energia a existência de deus em cada ser humano depende da similitude da energia destes com a de deus e  a humanidade estará tão mais próximo de Deus quanto mais desenvolver a sua espiritualidade, e esta permitirá a cada ser humano, libertar-se e curar-se dos problemas físicos. Deus em bom rigor está dentro de nós e nós temos apenas que saber procurá-lo dentro  e não fora. O universo é a expressão da existência de deus, e deus é energia, aliás, Einstein assim como outros físicos concluíram que tudo se resume a energia. A ciência e a neurociência só poderá lograr entender a natureza humana se se aliar à espiritualidade, penso que este é o caminho. Considero que a humanidade actualmente está mais consciente desta realidade, pois entende que os velhos padrões do mundo ocidental e a ciência convencional não conseguem explicar determinadas situações e estão.

Comentário n°1 

GilTeixeira 04/08/2006 • 20:26

Por vezes temos pena de tantos "cientistas", sobretudo os das "ciências ocultas", tout court, que gastam tanto tempo a "descobrir" bagatelas, que qualquer sapateiro encartado sabe há um ror de anos.

As religiões vivem todas na base do maniqueismo, diria, fiel ou infiel, eis a questão. Aliás, a melhor forma de "compreender" uma religião é vestir o hábito de outra. Com o hábito religioso do nosso "inimigo" somos de imediato acometidos de um ataque de clarividência religiosa. Tudo o que não compreendemos, ou sacralizamosna nossa religião, percebemos, e dessacralizamos na seita do nosso concorrente. Assim a nossa religião é sempre uma religião, com cabeça tronco e membros. O outro é um sectário, um fanático, um blasfemo e herege que ofende o objecto da nossa crença.

Na verdade, um sapateiro, um pescador, um lavrador, facilmente percebe que um "ateu" é uma criação dos "crentes-maniqueistas" como alguém que crê que uma entidade supra-natural não exite, e logo, crendo na inexistência dessa entidade, tem de ser necessariamente um crente. Duma assentada, para um pescador, que não seja cientista ou pseudo-intelectual, um crente-maniqueista e um "ateu" são ambos crentes, apenas diferindo quanto ao objecto da sua crença. Em rigor são dois crentes, apenas com objectos de crença diferentes, ou seja o crente-maniqueista, e o crente na não-divindade.

Portanto, em concreto, a figura do "ateu" é alguém que não existe e foi inventado ou rotulado pelo crente-maniqueista para fazer vingar a sua crença e diabolizar a do outro, - afinal um simples crente na não exitência de algo - não bastando ao primeiro estar "iluminado" pelo objecto da sua crença.

Apesar de ser possuidor de tanta luz, o crente-maniqueista tem uma tendência para dominar, e em último caso eliminar o crente na inexistância da "divindade", como se esta, a materiliazar-se a crença daquele, não fosse capaz de converter o crente da sua inexistência na sua exitência. Esta medo, esta psicose, este fanatismo dos crentes-maniqueístas, acaba por constituir mais um factor força e de crença dos crents na inexistência da divindidade.

Curiosamente essa invenção, ou rótulo, sendo eufemista, do crente-maniqueista, pode ser considerado, segundo a sua terminologia religiosa, um "ateu", precisamente porque acredita em alguém que não exite, no caso o dito "ateu", ou seja o crente na não-divindade. É verdade, acreditando o crente-maniqueista, em alguém que não exite, o ateu, acaba por ser também um ateu.A partir daqui a neuroteologia é uma treta como há demasiadas.

O sentimento "religioso" há-de localizar-se em qualquer parte do cérebro, como todos os outros sentimentos que carecterizam o pobre bicho humano que vive com a dita cabaça enterrada em muita lama, e que nunca evoluiu, salvo na cabacinho da Darwin, um aprendiz de falso médico, que apresentou um visão ultra-primária da sua "evolução" das espécies.

Nada é pre-existente na cabacinha dos humanos. A cabacinhna, assaz pobre, dos seres que se autoproclamam humanos, está preparada para receber os crentes-maniqueistas e os crentes na não-divindade, assim como os pobres dos neuroteologistas, sociólogos, paleontólogos, historiadores, psicólogos, filósofos e demais clientela que circula pelo ramo das ciência ocultas, e que engorda a olhos vistos.

Gil Teixeira

Advogado

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