Os grandes deuses do panteão romano gozaram de datas especialmente dedicadas ao seu culto. Entre os dias 17 e 23 do mês de Dezembro festejavam-se as Saturnais.
As celebrações iniciavam-se com um sacrifício em honra ao deus no templo de Saturno, ao pé da colina do Capitólio e prosseguiam com um banquete público que dava azo à mais absoluta permissividade e libertinagem.
A lenda
Conta a lenda que Saturno, assimilado ao deus Cronos grego, tinha sido expulso do céu por Júpiter, donde chegou a Itália; durante o reinado desta divinidade da agricultura, os itálicos teriam vivido uma idade de ouro, sem guerras nem más colheitas, onde não se conhecia a propriedade privada nem sequer a escravatura.
Com esta celebração, também se homenageavam os generais romanos que tinham triunfado em campanhas militares. Como fez Júlio César depois das vitórias sobre a Gália, Egipto, Ponto e África.
Em que consistiam as Saturnais
Ilustração representativa das saturnais.
A personagem principal é um escravo que parece dispor-se a iniciar um jogo de dados (com o amo).
Tenha-se presente a inversão dos papéis sociais nestes dias: ricos e pobres trocavam os seus papéis.
As Saturnais emulavam essa idade dourada e, durante esse período, suspendiam-se temporariamente as actividades comerciais, fechavam-se escolas, o Senado ou os tribunais, permitia-se todo o tipo de jogos de azar e apostas e era habitual oferecer-se saquinhos de nozes, velas ou pequenos bonecos de argila. O povo esperava-as ansiosamente.
Boa mostra disso são as palavras do poeta latino Marcial:
“Enquanto se alegra com as suas vestes de festa o cavalheiro e o senador, senhor de Roma; enquanto a nosso Júpiter senta bem o barrete de liberto e o escravo nascido em casa agitando o copo dos dados não teme a presença do edil vendo tão de perto o gelo das fontes, recebe as sortes alternadas do rico e do pobre, que a cada um dê os presentes que convenha aos seus comensais; estas são frivolidades, fantasias e outras coisas se as houver, de menos importância.
Quem o ignora ou nega coisas tão claras? Mas que farei com preferência, Saturno, nos dias de borracheira que em vez do céu te consagrou o teu próprio filho? Quem senão eu para escrever sobre Tebas, sobre Tróia ou sobre a criminosa Micenas? Jogo com nozes - dizer-me-ás. Eu não quero perder as minhas”. (Marcial. XIV, 1).
A festa tinha também a sua ironia: ninguém estava a salvo de se converter em vítima de algum presente brincalhão. Nas Saturnais jogava-se o mundo ao contrário e se caricaturavam leis e cargos públicos. Até se adiava a execução dos condenados à morte.
No entanto, a expressão popular mais surpreendente destas festas era a troca de papéis que existia entre os escravos e seus amos. Era habitual que os senhores da casa servissem à mesa os seus súbditos que tinham também licença para se embebedar e até injuriar os amos como se de servos se tratasse.
Todos os escravos recebiam dos seus proprietários um generoso pagamento extra em forma de moeda ou vinho. O que antes estava proibido, permitia-se então.
Até o tacanho Catão, o Velho, concedia aos seus escravos durante estas datas uma ração extra de 3,5 litros de vinho. De facto, o calendário de Polemio Silvio do ano 48 da nossa era chama-a como a festa dos escravos por ser esta a sua faceta mais destacada.
A festa das Saturnais celebrava-se só a 17 de Dezembro no Fórum de Roma até à chegada da ditadura de Júlio César, no ano 49 antes de Cristo. Durante essa jornada, os senadores e os cavalheiros romanos, vestidos com as suas impolutas togas cerimoniais, oferendavam a Saturno um grande sacrifício seguido de um ágape (refeição) público que culminava com gritos em honra ao deus.
O general romano prolongou a festividade até ao dia 19. O seu sucessor no poder,Octávio Augusto, primeiro imperador de Roma, acrescentou mais um dia. O mesmo fez Calígula uns anos depois. Domiciano fixou o fim do feriado em 23 de Dezembro.
No final do século I da nossa era as Saturnais duravam uma semana completa.
O Sol Invicto
Era também em Dezembro que acontecia o solstício de inverno, isto é, a entrada do Sol no signo de Capricórnio.
No ano 274, o imperador Aureliano introduziu em Roma o culto do Sol Invicto procedente da Síria, cuja comemoração se celebrava a 25 de Dezembro.
Sobre o astro reconheceram quase todas as religiões imperantes no Império a sua suprema divinidade, sobretudo os crescentes adoradores de Mitra.
O conglomerado de deuses, próprios e adoptados, que se idolatravam em Roma terminaria para se reduzir apenas ao Sol.
Conclusão
Este tipo de monoteísmo devocional, cujo culto tinha sido precedido pelas festas em honra de Saturno, facilitou o caminho ao desenvolvimento do Cristianismo não só para estabelecer a data de nascimento de Jesus Cristo, como também para celebrar umas festas prolongadas.
O esbanjamento de felicidade e permissividade característico das Saturnais, que se acompanhavam de numerosos banquetes e entrega de presentes é, talvez, a origem das actuais celebrações de fim de ano.
Javier Ramos