Por Paul Krugman, professor de Economia em Princeton e prémio Nobel da Economia 2008.
Os mercados financeiros celebraram há dias o pacto alcançado em Bruxelas. Em relação ao que poderia ter sucedido (um amargo falhanço para se porem de acordo), o facto de os dirigentes europeus se terem posto de acordo em algo, por imprecisos que sejam os detalhes e por deficiente que resulte, é um avanço positivo.
Mas vale a pena retroceder para observar o panorama geral, concretamente o lamentável falhanço de uma doutrina económica, uma doutrina que infligiu um dano enorme tanto na Europa como nos Estados Unidos.
A doutrina em questão resume-se na afirmação de que, no período posterior a uma crise financeira, os bancos têm de ser resgatados, mas o cidadão deve pagar o custo. De modo que uma crise provocada pela liberalização converte-se num motivo para uma viragem ainda mais à direita; numa época de desemprego em massa, em vez de se reanimarem os esforços públicos por criar emprego, converte-se numa época de austeridade, na qual a despesa governamental e os programas sociais se cortam drasticamente.
Venderam-nos esta doutrina afirmando que não havia nenhuma alternativa - que tanto os resgates como os cortes da despesa eram necessários para satisfazer aos mercados financeiros - e também afirmando que a austeridade fiscal na realidade criaria emprego. A ideia era que os cortes da despesa fariam aumentar a confiança dos consumidores e as empresas. E, supostamente, esta confiança estimularia a despesa privada e compensaria de sobra os efeitos depressores dos cortes governamentais.
Alguns economistas não estavam convencidos. Um céptico afirmava causticamente que as declarações sobre os efeitos expansivos da austeridade eram como crer na "fada da confiança". Bem, estavam a falar de mim...
Mas, não obstante, a doutrina foi extremamente influente. A austeridade expansiva, em concreto, foi defendida tanto pelos republicanos do Congresso como pelo Banco Central Europeu, que no ano passado instavam todos os Governos europeus - não só os que tinham dificuldades fiscais - a empreender a "consolidação fiscal".
E quando David Cameron se tornou primeiro-ministro do Reino Unido no ano passado, se embarcou imediatamente num programa de cortes da despesa, na crença de que isto realmente impulsionaria a economia (uma decisão que muitos especialistas americanos acolheram com elogios aduladores).
Agora, no entanto, estão a ver as consequências e a imagem não é agradável. A Grécia viu-se empurrada pelas suas medidas de austeridade para uma depressão cada vez mais profunda; e essa depressão, não a falta de esforço por parte do Governo grego, foi o motivo de um relatório secreto enviado aos dirigentes europeus se chegasse, na semana passada, à conclusão de que o programa posto em prática ali é inviável. A economia britânica estancou com o impacto da austeridade e a confiança, tanto das empresas como dos consumidores, afundou em vez de disparar.
Mas o mais revelador é que agora se considera uma história de sucesso. Há uns meses, vários especialistas começaram a engrandecer os lucros da Letónia, que após uma terrível recessão conseguiu, apesar de tudo, reduzir o seu déficit orçamental e convencer os mercados de que era fiscalmente solvente. Aquilo foi, efectivamente, impressionante, mas para o conseguir pagou o preço de 16% de desemprego e uma economia que, embora finalmente esteja a crescer, continua a ser 18% mais pequena do que era antes da crise.
Por isso, resgatar aos bancos enquanto se castiga os trabalhadores não é, na realidade, uma receita para a prosperidade. Mas havia alguma alternativa? Bom, é por isso que estou na Islândia, assistindo a uma conferência sobre o país que fez algo diferente.
Se têm vindo a ler as crónicas sobre a crise financeira, ou vendo adaptações cinematográficas como a excelente Inside Job, saberão que Islândia era supostamente o exemplo perfeito do desastre económico: os seus banqueiros fora de controlo carregaram o país com dívidas enormes e ao que parece deixaram a nação numa situação desesperada.
Mas no caminho para o Armagedón económico passou-se uma coisa curiosa: o próprio desespero da Islândia tornou impossível um comportamento convencional, o que deu ao país liberdade para quebrar as regras. Enquanto todos os outros resgatavam os bancos e obrigavam os cidadãos a pagar o preço, a Islândia deixou que os bancos se arruinassem e, de facto, alargou a sua rede de segurança social. Enquanto todos os outros estavam obcecados a tratar de aplacar os investidores internacionais, a Islândia impôs controlos temporários aos movimentos de capital para se dar a si mesma verdadeira margem de manobra.
E como está a ir? A Islândia não evitou um dano económico grave nem uma descida considerável do nível de vida. Mas conseguiu pôr cobro tanto ao aumento do desemprego como ao sofrimento dos mais vulneráveis; a rede de segurança social permaneceu intacta, tal como a decência mais elementar da sua sociedade. "As coisas poderiam ter ido muito pior" pode não ser o mais estimulante dos slogans, mas dado que todo o mundo esperava um completo desastre, representa um triunfo político.
E ensina uma lição a todos nós: o sofrimento que enfrentam tantos dos nossos cidadãos é desnecessário. Se esta é uma época de incrível dor e de uma sociedade bem mais dura, foi por eleição. Não tinha, nem tem, que ser desta maneira.
PAUL KRUGMAN