Steve Jobs, durante a apresentação do iPod Nano, em 2007. | AP
No final da sua vida, Steve Jobs, macrobiótico, budista e pouco amante do chuveiro, arrependeu-se de ter adiado a cirurgia e ter perdido tempo, talvez crucial, com a medicina alternativa e as dietas.
Jobs morreu a 5 de Outubro depois de ter sofrido um cancro de pâncreas e um transplante de fígado. Já tinha passado então para as soluções tradicionais, mas era tarde demais. Umas semanas antes da sua morte contou-o ao seu biógrafo oficial, Walter Isaacson. A cadeia de televisão CBS, proprietária da editora que publica o livro na próxima segunda-feira, deu a conhecer esta quinta-feira um extracto da entrevista onde o escritor relata as palavras de Jobs.
O fundador da Apple criou o nome da sua empresa no meio de uma das suas dietas frugívora (à base de frutas) após visitar uma quinta com macieiras. Desde adolescente seguia regimes alimentares muito restritos: às vezes, só fruta, outras, também verduras ou alimentos separados. Estudou budismo zen durante anos e achou que a mistura de espiritualidade e alimentos sadios serviria como antídoto até para o cancro.
Quando lho diagnosticaram em Outubro 2003, negou-se a ser operado e optou por se tratar com sumos de frutas, acupunctura e remédios medicinais que encontrava na Internet. "Não queria que abrissem o meu corpo, não queria que me violassem dessa forma", disse Jobs, ao seu biógrafo, a quem o guru confessou o seu arrependimento. A mulher, a irmã e os filhos suplicaram-lhe que se operasse, mas Jobs resistiu durante nove meses durante os quais manteve a doença em segredo.
"Pensava que se ignorarmos algo, se não quisermos que algo exista, podemos fazer magia com a mente... Antes tinha funcionado com ele. Arrependeu-se", conta Isaacson no vídeo difundido pela CBS. O livro de 650 páginas, chamado 'Steve Jobs', é o resultado de mais de 40 entrevistas do autor com o presidente da Apple e dezenas de familiares, amigos e colegas.
Escrito para os seus filhos
Jobs ofereceu plena colaboração a Isaacson, presidente do Instituto Aspen e biógrafo de Franklin e Kissinger. Ele queria que os filhos soubessem o porquê do trabalho que o manteve afastado deles a maior parte das suas vidas.
A biografia retrata as suas manias e os seus caprichos, segundo os extractos publicados pela Associated Press, o 'New York Times' e o 'Huffington Post', entre outros.
Quando era adolescente, Jobs aprendeu a olhar os outros fixamente sem pestanejar. Nos anos 60, começou com as suas dietas restritas misturadas com LSD, que, segundo ele, o ajudavam a centrar-se na criatividade e a esquecer o dinheiro. Disse aos pais que lhe pagassem o curso numa cara Universidade privada em Portland ou não estudaria em nenhuma, embora a tivesse abandonado em menos de um ano.
Quando já era conselheiro delegado da Apple, a empresa acompanhava-o continuamente para que não se desconcentrasse e se lavasse com um pouco mais de frequência.
O livro também relata o seu confronto com os executivos da Apple antes de ser despedido em 1985. Segundo ele, eram "corruptos" e não valiam nada porque só se preocupavam com o dinheiro.
Isaacson também relata os ataques de orgulho de Jobs. No Outono de 2010, Jobs exigiu que o presidente Barack Obama lhe pedisse oficial e pessoalmente que o queria conhecer. Obama mostrava interesse, mas Jobs precisava de um pedido formal.
Depois, quando se reuniram no aeroporto de São Francisco, o presidente da Apple criticou o presidente pelas suas políticas, segundo ele, demasiado à esquerda. "Vai ser um presidente de um só mandato", disse a Obama.
Jobs queixou-se do fácil que era montar uma empresa na China face ao excesso de "regulações e custos desnecessários" e o poder dos sindicatos nos EUA.
Sobremesa na Casa Branca
Quando a Casa Branca organizou um jantar com vários conselheiros delegados, Jobs meteu-se até com o menu, que considerava "demasiado chique". Quis impor os seus desejos para a sobremesa. Nesta ocasião ao menos ganhou o bolo que queria o presidente Obama.
Ainda assim, Jobs continuava a ser democrata e até se ofereceu para desenhar os anúncios para a campanha do presidente de 2012.
O livro também conta que Bill Gates foi uma das últimas pessoas que Jobs quis ver na vida. Comentou com o seu biógrafo como estava feliz ao ver o criador da Microsoft a dedicar-se agora às obras de beneficência. Apreciava-o e admirava o seu "incrível instinto para o que funciona", embora não tivesse boa opinião criativa dele.
"Bill tem muito pouca imaginação e nunca inventou nada. Por isso acho que se sente agora mais cómodo com a filantropia do que com a tecnologia. Roubou sem pudor as ideias dos outros”, dizia Jobs.
Isaacson também relata o amor de Jobs pela estética e por que começou a usar camisolas pretas de gola alta, com os mesmos jeans azuis e as mesmas sapatilhas cinza.
Tudo começou com uma visita à Sony no Japão no início dos anos 80. Chamaram-lhe a atenção os uniformes dos empregados e o então presidente da empresa, Akio Morita, pô-lo em contacto com o seu desenhador, Issey Miyake.
Ele gostava da ideia japonesa de que todos os empregados fossem iguais e até o tentou com os seus trabalhadores em Palo Alto. Os seus colegas negaram-se, mas ele decidiu fazer um uniforme para si mesmo.
A primeira vez que perguntou a Miyake pelas camisolas, o desenhador japonês enviou-lhe uma centena. Jobs mostrou o seu gabinete a Isaacson, repleto do mesmo modelo da mesma cor. "É isto que eu uso... Tenho o suficiente para o resto da minha vida", disse.