Mario Livio é um astrofísico do Hubble Space Telescope Science Institute dos Estados Unidos que escreveu vários livros, como The Equation that Couldn't Be Solved ou The Golden Ratio: The Story of PHI, the World's Most Astonishing Number.
Na sua última obra, publicada no início deste ano sob o título Is God a Mathematician? (Deus é um matemático?), Livio trata de dar resposta à questão: as matemáticas preexistiam na Natureza, independentemente do cérebro humano ou, pelo contrário, são uma construção deste?
Da antiguidade até hoje, cientistas e filósofos deslumbraram-se: como é possível uma disciplina aparentemente tão abstracta ser capaz de explicar de forma tão perfeita o mundo natural?
Por exemplo, a miúdo, os matemáticos fizeram prognósticos sobre partículas subatómicas ou fenómenos cósmicos desconhecidos nesse momento, que posteriormente ficaram demonstrados.
A questão é esta: as matemáticas inventam-se ou descobrem-se? Se, como Einstein insistiu, as matemáticas são um produto do pensamento humano, independente da experiência, como podem descrever e até predizer o mundo que nos rodeia?
Revisão histórica
As matemáticas são realidades da natureza, independentes do mundo material, que os homens descobrem progressivamente? Ou são, pelo contrário, a tradução realizada pelo espírito humano (ou pelo nosso cérebro) de estruturas ou leis preexistentes no mundo material antes dos matemáticos as observarem?
Livio analisa na sua obra as diversas respostas dadas a estas perguntas ao longo da história. Em primeiro lugar, a tradição platónica assinalava que estas leis existiriam além do mundo material, no mundo das ideias.
O homem, pelas suas limitações, não poderia ter acesso a esse mundo das ideias, mas aproximar-se-ia dele através da racionalidade. Assim, segundo o platonismo, o ser humano não inventaria as matemáticas, mas iria descobri-las infinitamente, já que ninguém pode fixar o limite do mundo das ideias.
As hipóteses construtivistas, por seu lado, assinalam que existem leis de causalidade no universo a todos os níveis: no cosmos, na física microscópica, em biologia, etc.
Outras interpretações
Os humanos observam os fenómenos seguindo estas causalidades e esforçam-se por fazer aparecer, a partir delas, regularidades, utilizando para este trabalho ferramentas com que a evolução foi dotando o cérebro.
Assim, a pouco e pouco, a evolução do homo sapiens permitiu refinar os recursos matemáticos do ser humano para estabelecer cada vez mais regularidades, mas isso não significa que os objectos matemáticos se encontrem na Natureza.
Estes são, simplesmente, uma categoria particular com que o cérebro representa o mundo a partir das observações dos nossos sentidos.
Outras interpretações mais actuais das matemáticas assinalam, por exemplo, que o universo não é que seja compatível com as matemáticas, mas é matemático em si mesmo (Max Tegmark) ou que o cosmos é como um computador quântico cuja evolução poderia programar-se utilizando a potência de algoritmos de informática quântica (Seth Lloyd).
Dois papéis das matemáticas
Para Livio, as matemáticas desempenham um duplo papel: activo e passivo. O primeiro, consiste no uso contínuo de ferramentas matemáticas nas ciências.
O papel passivo, por sua vez, seria o daqueles postulados, conceitos e equações desenvolvidos pelos matemáticos durante séculos, sem referência alguma à experiência e que subitamente podem revelar-se como muito precisos e úteis para representar matematicamente objectivos de observação recentes.
Por exemplo, a descoberta da elipse pelo matemático grego Menaechmus (350 a.C.) permitiu a Kepler e a Newton representar com suficiente precisão as trajectórias dos planetas.
Além disso, Livio propõe distinguir entre descoberta e invenção. Por um lado, há conceitos matemáticos que foram inventados mas, por outro, as matemáticas reflectiriam uma parte das propriedades da Natureza.
Deus e o infinito
Para Lívio estas questões têm uma enorme importância, tanta que o autor as equipara a questões relacionadas com Deus.
Assim, escreve: “se se pensa que compreender se as matemáticas foram inventadas ou descobertas não é assim tão importante, é preciso considerar a grande diferença entre “inventado” ou “descoberto” na seguinte pergunta: Deus foi descoberto ou inventado? Ou esta outra pergunta: os homens criaram Deus à sua imagem e semelhança ou foi Deus que os criou à sua própria imagem e semelhança?”
Sobre as hipóteses da existência de Deus e do infinito, Livio esclarece a diferença entre ambos os conceitos para as matemáticas.
Esta radicaria no facto de os cientistas não se cansarem de concretizar o conceito de infinito, ultimamente na cosmologia dos múltiplos universos. Mas, pelo contrário, renunciaram há muito proporcionar provas científicas da existência de Deus.
Yaiza Martínez