Os especialistas já suspeitavam que comer com voracidade não era um hábito saudável.
"Come devagar e mastiga cada bocado 20 vezes", diz o dito popular. Agora, uma investigação realizada no Japão demonstra que isto está certo.
O estudo contou com uma mostra de 3.287 indivíduos entre os 30 e 69 anos de idade, que foram interrogados sobre os seus hábitos alimentares com especial incidência para a velocidade a que costumavam comer (deviam escolher entre muito lento, lento, médio, rápido e muito rápido).
Também se perguntou se, de forma habitual, comiam até saciar-se e verificou-se o peso ajustado pela altura (índice de massa corporal, IMC).
Demasiado rápido
Cerca de 50% dos participantes reconheceu comer até à saciedade e 45,6% dos homens e 36% das mulheres afirmaram que comiam de forma muito rápida.
Os resultados mostraram que tanto os que comiam com rapidez como os que o faziam até se saciar, multiplicavam por dois a probabilidade de ser obesos, mas que quando ambas as coisas se verificavam, o risco ainda aumentava mais.
Os indivíduos que comiam depressa e até se sentirem saciados ingeriam um maior número de calorias, tinham mais peso e três vezes mais probabilidades de ter sobrepeso em comparação com os que comiam pausadamente e sem se saciar.
Esta investigação deu um novo passo ao comprovar que quando estão presentes ambos os hábitos, o risco de sobrepeso aumenta substancialmente.
Os mecanismos da saciedade
Se se come muito depressa, o estômago não tem tempo de enviar o sinal de saciedade e ingere-se uma maior quantidade de alimentos
A regulação do apetite é um processo complexo do qual há cada vez mais informação. As anomalias nos sistemas que indicam ao corpo quando é preciso deixar de comer, parecem ser parcialmente responsáveis por alguns casos de obesidade.
Quando comemos, a distensão gástrica é um dos primeiros sinais de saciedade. Este sinal é transmitido pelo sistema nervoso vegetativo até ao hipotálamo, centro regulador situado no cérebro.
Se consumirmos muito depressa os alimentos, não damos tempo ao estômago para enviar o sinal de saciedade e, por isso, ingere-se uma maior quantidade. O apetite, como a maioria dos processos do organismo, também está regulado por hormonas.
Uma das primeiras a ser identificada, além da insulina, foi a leptina que se produz no tecido adiposo e tem propriedades supressoras da fome. Mais tarde foi a grelina, conhecida como a "hormona da fome" pela sua função oposta: aumentar o apetite.
Mais hormonas envolvidas
A colecistokinina também é uma hormona da saciedade segregada por células duodenais em resposta à presença de alimentos, sobretudo de gorduras. Crê-se que actua inibindo o esvaziamento gástrico, o que contribui para ter sensação de estar cheio.
O peptidio intestinal YY (PYY), sintetizado na porção distal do trato digestivo e no sistema nervoso central e periférico, é outra das hormonas que intervêm para regular o que comemos.
Descobriu-se mais recentemente que a obestatina, que também regula o peso e a ingestão de alimentos, e a oxintomodulina, segregada por umas células da mucosa do estômago, actua suprimindo o apetite.
O sistema nervoso também desempenha um importante papel no regulamento do apetite. O centro da fome e da saciedade encontra-se no hipotálamo, onde aquelas substâncias actuam.
A sensação de saciedade também parece que, de alguma forma, está geneticamente determinada.
Um estudo efectuado por cientistas britânicos evidenciou que o FTO, um gene relacionado com a obesidade, actua inibindo a sensação de saciedade.
Investigadores do University College e do King's College, de Londres, examinaram 3.337 crianças, entre os 8 e 11 anos, para estudar se os que eram portadores da variante de alto risco do gene tinham o apetite alterado.
Os resultados mostraram que o gene actua sobre o apetite e que as crianças com duas cópias da variante de alto risco tinham mais dificuldade em sentir-se saciados depois de comer.
ACTUAR SOBRE O APETITE
É indubitável que os hábitos alimentares estão a mudar. As sociedades do bem-estar têm à sua disposição grande quantidade de comida, muito elaborada e de fácil preparação.
Dispomos de pouco tempo e a miúdo comemos rapidamente. Cada vez há menos famílias que partilham em conjunto as refeições e mais crianças que o fazem sós em frente da televisão.
Cada vez mais há que enfatizar a importância dos hábitos alimentares como determinante na epidemia da obesidade, destacando a importância de trabalhar para fomentar uma alimentação saudável nas crianças, como comer de forma lenta, em quantidades adequadas e em família.
Estão a ser estudados tratamentos que incorporem substâncias que favoreçam a sensação de saciedade.
O Imperial College de Londres pretende desenvolver um fármaco com uma hormona saciante, o polipéptido pancreático. O objectivo é elaborar um tipo de medicamento que possa administrar-se pela boca para poder introduzi-lo em chiclet.
Outra opção seria administrá-lo através de um inalador nasal. Os primeiros ensaios mostraram resultados satisfatórios: dose moderadas desta hormona podem reduzir entre 15% a 20% a quantidade de comida ingerida.
Provavelmente, comer depressa é um hábito adquirido na infância que poderia modificar-se, mesmo não sendo fácil.
Como comer devagar
Alguns pequenos conselhos podem ajudar a deixar de comer de forma rápida e até não poder mais:
1. Não saltar as refeições e fazer um pequeno intervalo a meio da amanhã ou a meio da tarde. Isto evita chegar à mesa com muita fome.
2. Comer devagar e em ambientes tranquilos, sem distracções, como a televisão.
3. Escolher alimentos que necessitem de mais tempo de mastigação, como saladas e verduras, em vez de purés.
4. Esperar um pouco entre a comida e a sobremesa. Na maioria dos casos, já não se come a sobremesa porque aparece a sensação de saciedade.
TERESA ROMANILLOS