NOTA INTRODUTÓRIA
O que se segue é uma transcrição de uma aula experimental, utilizando o método socrático, com uma turma normal do terceiro ano do ensino básico (antiga terceira classe) numa escola da periferia.
Apresento aqui a minha perspectiva e as minhas opiniões sobre a sessão e sobre o método socrático como instrumento de ensino. A aula realizou-se numa sexta feira à tarde e começou à uma e meia da tarde, em Maio, a cerca de duas semanas do fim do ano lectivo.
Esta altura foi propositadamente escolhida por ser um dos momentos mais difíceis para incentivar e manter as crianças concentradas num assunto que é um tanto complexo em matéria intelectual.
O objectivo foi demonstrar o poder do método socrático tanto no ensino como no envolvimento e entusiasmo dos alunos sobre a matéria a ser ensinada.
Havia 22 alunos na turma. Foi-me dito antes, por dois professores diferentes (nenhum era professor da turma), que apenas um ou dois alunos seriam capazes de entender e seguir o que eu iria apresentar.
Quando a aula terminou, eu e o professor da turma acreditamos que, pelo menos 19 dos 22 alunos, tiveram uma participação total e entusiasta e compreenderam e retiveram toda a matéria.
Os olhos dos outros três alunos estiveram vidrados desde o início e não pareceram estar envolvidos, de todo, na aula.
As respostas abaixo, dos estudantes, estão em maiúsculas.
A experiência consistia em saber se eu poderia ensinar a estes alunos aritmética binária (aritmética que usa apenas dois dígitos, 0 e 1) fazendo-lhes apenas perguntas. Nenhum deles tinha qualquer conhecimento de aritmética binária.
Embora o assunto fosse essencialmente esse, o meu principal interesse era o de demonstrar ao professor o poder e benefícios da aplicação do método socrático, sempre que fosse possível utilizá-lo.
Esse é também o meu objectivo aqui. Optei pela aritmética binária porque é algo muito difícil de compreender para as crianças, ou para qualquer pessoa, quando é ensinado de forma tradicional e creio que a demonstração de um método que pode ensinar uma matéria tão complexa de forma fácil às crianças e prendê-las com entusiasmo sobre esse assunto, é muito convincente na demonstração do valor do método.
(Como se verá a seguir, a compreensão da aritmética binária é também uma questão de compreensão de "lugar-valor" em geral. Para aqueles que procuram uma explicação mais detalhada sobre o lugar-valor, aconselha-se a consulta do longo documento sobre O Conceito e Ensino do Lugar-Valor [inglês]).
Este seria o método socrático que eu considero na sua forma mais pura, onde perguntas (e só perguntas) são utilizadas para despertar a curiosidade e, ao mesmo tempo, servir como uma lógica, incremental, baseada em passos sucessivos que permita aos alunos partirem à descoberta de um tema complexo ou de um problema, utilizando as suas próprias ideias e raciocínios.
Numa forma menos pura, que é normalmente o que acontece, os alunos tendem a bloquear em algum ponto e precisam de uma explicação do professor num ou noutro aspecto, ou o professor fica bloqueado e não lhe ocorrre a questão que irá ter o tipo de resposta ou ponto desejado, ou apenas se torna mais eficiente "dizer" o que se pretende obter.
Se o "dizer" acontecer, esperemos que por essa altura os alunos tenham sido despertados pelas questões, para um estado de curiosidade receptiva para absorver uma explicação que poderia ter tido outro significado para eles.
Muitas das questões são decididas antes da aula mas, dependendo das respostas que possam ser dadas, algumas questões têm de ser pensadas até extemporaneamente.
Às vezes isso é muito difícil de fazer, dependendo como as respostas possam estar a ser antecipadas ou longe de serem previsíveis.
Esta tentativa em particular correu melhor do que eu pensava e eu tinha expectativas muito mais altas do que qualquer um dos professores com quem eu conversei antes de dar aula.
Eu tinha um relacionamento prévio com esta turma.
Cerca de duas semanas antes, tinha mostrado a três turmas, em simultâneo, do terceiro ano, como atirar um bumerangue e deixar que cada aluno experimentasse uma vez.
Eles adoraram.
65 dos 70 alunos conseguiram apanhar o bumerangue de volta, o que lhes deu um enorme gozo.
Eu tinha, portanto, estabelecido já um certo bem-estar com os alunos, algo que considero importante para os motivar, de forma confortável e entusiasta, a participar numa aula desinibida e sem receios de qualquer espécie.
Quando cheguei à sala para a experiência de matemática binária, os alunos estavam a falar sobre pessoas famosas e estavam vestidos como as pessoas que estavam a descrever.
Quando eu entrei, um aluno estava a fazer de John Glenn [astronauta], mas não tinha mencionado o problema dramático e assustador que foi a primeira viagem americana em órbita da Terra.
Eu perguntei se alguém sabia o que realmente tinha acontecido de assustador no vôo de John Glenn e se eles sabiam qual era o vôo.
Muitos falaram numa viagem à Lua, um outro falou em Marte.
Eu disse-lhes que ele tinha sido o primeiro homem a entrar na órbita terrestre. Então alguém se lembrou de ter ouvido falar de algo estranho com o escudo térmico, mas não se lembrava do quê.
Até aqui, eles ouviam atentamente.
Eu expliquei e contei-lhes sobre uma luz que se acendeu e indicava que o escudo térmico estava solto ou defeituoso e que, se assim fosse, Glenn morreria queimado ao regressar à Terra.
Mas ele não poderia ficar lá em cima eternamente e não havia nada nem ninguém que o pudesse ir lá buscar.
Os engenheiros finalmente concluíram, ou assim esperavam, que o problema não era com o escudo térmico mas com a luz de aviso.
Eles pensaram que o defeito estava aí. Glenn aterrou. O escudo estava bom; tinha sido apenas a luz. Pensavam que estava o assunto arrumado.
"Mas o que estou aqui a fazer hoje é tentar uma experiência convosco. Eu é que vou ser avaliado com esta experiência, não são vocês. Quero ver se consigo ensinar-vos um novo tipo de aritmética, fazendo apenas perguntas.
Eu não estou autorizado a dizer-vos nada, só posso perguntar coisas. Quando acharem que sabem a resposta, podem dizer logo. Não é preciso levantar a mão e pedir-me para responder, porque isso leva muito tempo."
[Isto precisou de uma certa adaptação por parte deles. Puseram as mãos no ar, embora algum tempo depois começassem a responder sem levantar a mão.]
Cá vamos nós.
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