Uma medida controversa
Nos Estados Unidos já há mais de 15 bancos nacionalizados. Na Europa, o Fortis foi o primeiro a receber uma ajuda de 11.200 milhões de euros por parte dos governos da Bélgica, Holanda e Luxemburgo. No Reino Unido, Northern Rock recebeu há umas semanas uma ajuda estatal de mais de 34.000 milhões de euros. Na Holanda, o ING recebeu uma injecção de capital estatal de 10.000 milhões de euros...
Os exemplos sucedem-se diariamente na Europa e nos Estados Unidos. Em Espanha, o sistema financeiro é sólido e rege-se por normas apertadas, segundo afirmam diversos especialistas, não estando, por isso, previsto qualquer injecção de capital em nenhum banco.
De qualquer forma, não é demais conhecer como seria afectado o aforrador numa hipotética nacionalização bancária. Seria positiva ou prejudicial para os seus interesses? Em princípio, os mais afectados seriam os pequenos accionistas, já que o facto de nacionalizar um banco implica o desaparecimento dos dividendos que se podem receber. Como aforrador, o impacto deveria ser quase nulo.
Os aspectos positivos
As nacionalizações procuram dar estabilidade ao sistema e diminuir a desconfiança e preocupação do aforrador
As nacionalizações devem encarar-se como uma medida positiva para os consumidores, já que o objectivo é evitar a falência que, então sim, seria claramente prejudicial para os seus interesses.
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O objectivo das nacionalizações é conseguir um bom funcionamento da concessão de créditos e o refinanciamento entre as próprias entidades, segundo afirma Josep Monsó, analista de Gaesco.
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Evitar que a recessão económica que se avizinha seja mais profunda e duradoura no tempo, é outro dos objectivos que conduzem às nacionalizações.
Nesse sentido, esta prática de salvação financeira também é favorável para o cidadão. Uma longa crise afecta, sem dúvida, o consumo (que se desacelera) e o desemprego (que aumenta), ambos factores negativos para qualquer consumidor.
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Ainda dentro da crise económica e do fundo financeiro, o sistema bancário deve contar com o pilar básico da confiança dos clientes, pilar que se estava a desmoronar a pouco e pouco perante os decepcionantes resultados e contínuas revisões em baixa da previsão de lucros que começaram a pairar sobre os bancos norte americanos há uns meses.
Neste contexto, também são positivas as nacionalizações, porque acontecem para devolver em certa medida a confiança perdida.
Com as injecções de capital, os governos estão a demonstrar que os aforradores não estão sós, que contam com o seu apoio e amparo e que o objectivo primordial é evitar uma quebra bancária que seria claramente prejudicial para eles e para todo o sistema.
Aspectos prejudiciais
Apesar da injecção de capital público dever olhar-se como uma medida positiva de salvação e ajuda ao sector financeiro, a realidade é que as nacionalizações bancárias que estão a acontecer na Europa e nos Estados Unidos estão a afectar de maneira negativa os accionistas.
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No mercado de acções, os operadores estão a fazer uma leitura negativa das injecções de capital público, o que está a provocar quedas acentuadas nos valores bancários. Nas sessões em que se anunciou que o HBOS, Lloyds e Royal Bank of Scotland receberiam injecções de dinheiro público, todas estas entidades registaram quedas superiores a 5% na Bolsa. HBOS perdeu, concretamente, mais de 25% do seu valor só numa sessão. Fortis, no primeiro dia de cotação, depois da entrada do capital estatal, perdeu 77%.
Em regra, o facto de uma entidade receber dinheiro por parte do Estado é interpretada no mercado de forma negativa. Os investidores percebem que é uma entidade em apuros, mesmo que, em alguns casos, seja uma leitura errónea.
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Além disso, a médio prazo, outro ponto prejudicial das nacionalizações para o consumidor, está nas possíveis mudanças que as entidades venham a anunciar quanto à sua política de dividendos ao accionista.
Muitos especialistas asseguram que não seria bem visto que um banco continuasse a distribuir dividendos aos accionistas se necessitou do dinheiro para se recapitalizar. Defendem que se um banco recebe dinheiro por parte do Estado para evitar uma possível falência, o lógico seria que deixasse de pagar dividendos aos accionistas.
Se o objectivo da nacionalização é a sobrevivência da entidade, o banco em questão deveria deixar de pagar dividendos. Pelo contrário, se a injecção de dinheiro público se realiza para reforçar a solvência, a entidade não tem que suprimir o dividendo.
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Na Europa, por exemplo, os bancos que foram nacionalizados pelos governos, como o Royal Bank of Scotland ou Lloyds e HBOS (apoiados pelo Governo britânico) anunciaram que não irão pagar dividendos nos próximos cinco anos. O mesmo anunciou o Barclays e o norte americano Sovereign, já que o objectivo da injecção de capital público é recapitalizar as entidades, isto é, reforçar as suas deterioradas oscilações.
Por que se nacionalizam os bancos?
A restrição ao crédito que acontece nos mercados internacionais e a comercialização de produtos sofisticados, como os estruturados ou as titularizações de hipotecas "subprime" estão a complicar a gestão bancária a numerosas entidades. Todos os bancos necessitam de se financiar e para isso recorrem ao sistema internacional interbancário, onde se empresta dinheiro diariamente.
Não obstante, desde Agosto de 2007, este mercado está praticamente fechado. Por isso, agora quase todos os governos estão a adoptar medidas, que podem variar na forma de execução, com o objectivo de ajudar os bancos dos respectivos países a fazer face à escassez do crédito actual e a ultrapassar airosamente a situação de crise.
A falta de liquidez vivida por alguns bancos e caixas económicas na Europa e nos Estados Unidos está a levar os governos a injectar capital com o objectivo de evitar o descalabro de qualquer entidade.
As nacionalizações que estão a acontecer, em princípio, contrastam com os princípios da economia capitalista e liberal que domina em todos os países desenvolvidos onde tal está a acontecer. De qualquer modo, é vista como uma solução idónea para evitar um colapso financeiro.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Tesouro anunciou que irá destinar os primeiros 250.000 milhões de dólares do seu plano de 700.000 para recapitalizar os seus bancos. Os estados, como assinala Josep Monsó, estão a injectar capital nas entidades em dificuldades "com o objectivo de reforçar a sua solvência e evitar a falência".
Tipos de nacionalizações
Na prática, quanto aos produtos e serviços financeiros oferecidos pelas entidades ao aforrador, tal não o deverá afectar caso o seu banco seja nacionalizado. No entanto, o facto de uma entidade receber capital público pode levar a uma mudança na política de gestão bancária ou na tomada de algumas decisões, como a distribuição ou não de dividendos.
Convém diferenciar as nacionalizações parciais, que acontecem quando um Estado injecta capital sem mais - com o objectivo de melhorar a solvência e liquidez da entidade - das intervenções mais profundas, que se produzem para evitar uma falência.
Também costumam ter mais implicações na gestão das entidades e para o aforrador as nacionalizações que comportam a entrada de gestores de renome por parte do Governo no Conselho de Administração das entidades.
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No caso de uma nacionalização parcial, a intervenção por parte do Governo no capital de um banco é vista como um mero balão de oxigénio que permita à entidade respirar no turvo ambiente actual. Neste caso, o Estado contribui apenas com dinheiro, mas não intervém na gestão da entidade em questão.
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No caso de uma nacionalização mais profunda, se o Estado nomeia gestores para a entidade que está a ajudar, costuma dar-se, também, uma intervenção na gestão. Neste hipotético caso, o Governo pode participar das decisões sobre a política comercial da entidade, investimentos, aquisição de participações noutras empresas...
Um exemplo desta modalidade está no ocorrido com o ING há umas semanas. A injecção de capital público nesta entidade holandesa é vista como uma recapitalização através da qual Haia passará a fazer parte da entidade sem direito a voto mas com possibilidade de veto.
Além disso, o Estado tem dois gestores na ING que terão direito a veto em decisões fundamentais que se refiram a investimentos que afectem mais de 25% do capital próprio da empresa.
O objectivo de qualquer Estado ao entrar em sectores básicos da economia, como o energético, eléctrico ou o financeiro é dar prioridade na oferta de um bom serviço ao consumidor e não para ganhar dinheiro.
No sector financeiro, no entanto, a intervenção estatal pode levar a que o banco adopte uma política conservadora que não tenha como prioridade o aumento do lucro e a rentabilidade. Em qualquer caso, e seja qual for o alcance e a forma da injecção de dinheiro público, a entrada dos estados no capital dos bancos realiza-se através de acções preferentes, que oferecem certos privilégios aos governos.
Em geral, os estados renunciam aos direitos políticos a que teriam direito pela sua presença no capital a troco de mais direitos económicos. Costumam exigir o pagamento de uma taxa de juro pelo dinheiro emprestado. No caso concreto do ING, por exemplo, a entidade terá que pagar uma taxa anual de 8,5% pelo capital injectado.
OUTRAS AJUDAS
Além das nacionalizações bancárias ou injecções de liquidez directas em bancos por parte dos governos, há muitas outras ajudas para evitar um colapso no sistema financeiro.
Os bancos centrais também levam vários meses a injectar liquidez extraordinária para garantir a solvência das entidades e ajudar a que estas abram em breve o seu negócio de financiamento.
São já muitos os países que elevaram os limites dos Fundos de Confiança de Depósitos. A Irlanda, Grécia, Alemanha, Dinamarca, Áustria e Portugal intervieram garantindo todos os depósitos dos seus cidadãos.
Espanha anunciou que elevará o mínimo garantido dos depósitos até 100.000 euros, da mesma forma que a Holanda, Luxemburgo e Bélgica.
Os Estados Unidos optaram por injectar dinheiro nos bancos comprando os activos contaminados pelas "subprime". A Espanha assegurou também que comprará activos saneados aos bancos e que assegurará as próximas emissões de dívida realizadas.
Para aliviar os efeitos da crise sobre a economia financeira e ajudar os bancos, o Governo espanhol anunciou a criação de um fundo de 30.000 milhões de euros, que pode chegar até 50.000, para comprar activos aos bancos. A intenção é injectar liquidez no sistema e facilitar o crédito a empresas e cidadãos.
GRACIA TERRÓN
Leitura complementar
» A Crise do Subprime - Breve Guia
» Paraísos Fiscais